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Dito e Feito #10 Transcrição – Florentina Holzinger

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Se preferir, pode ouvir este podcast aqui

 

Este é o Dito e Feito, podcast do Teatro do Bairro Alto, onde falar é uma forma de fazer e vice-versa. Eu chamo-me Laura Lopes. Sou programadora de artes performativas do TBA. A periodicidade do podcast é irregular, o formato também. Por vezes, segue de perto a programação; outras vezes, de longe; e outras ainda, não a segue de todo.

Neste episódio, a artista portuense Xana Novais conversa com a coreógrafa austríaca Florentina Holzinger, autora da peça Apollon. Este espetáculo é apresentado no TBA nos dias 19 e 20 de dezembro. Xana é uma das sete intérpretes que integra o elenco de Apollon. Juntas conversam sobre esta criação. Este episódio é em inglês.

 

 

00:00:54

Xana Novais Então, Flo, tenho umas perguntas que gostaria mesmo de te fazer. Acho que é mesmo importante as pessoas conhecerem-te melhor e perceberem que contributos houve e como te levaram a fazer Apollon nesta trilogia. Porque Recovery, Apollon e Tanz formam uma trilogia, certo?

Florentina Holzinger Sim. Uma trilogia.

XN Queres falar um bocadinho sobre isso, para as pessoas saberem?

FH Quer dizer, eu chamo-lhe uma trilogia agora, depois de ter feito estes trabalhos, porque, olhando retrospetivamente, vejo, claro, que estava atarefada com temas semelhantes e também, de algum modo, uma peça levou à seguinte, que levou à seguinte. Também porque Recovery foi o primeiro espetáculo onde decidi realmente de forma consciente trabalhar com um elenco inteiramente feminino (na verdade, isso é algo que mantive sempre) e também com um grupo mais alargado de pessoas e com intérpretes oriundos não apenas da dança mas igualmente de outras disciplinas. Em Recovery, vêm das artes marciais e do boxe. Depois, Apollon, com referências aos espetáculos circenses tipicamente americanos. Temos uma intérprete de lá. Em Tanz é diferente, mas sim.

XN Numa espécie de mistura dos teus estudos de coreografia e bailado – e quão fortes são os estudos de bailado. Em Apollon, é interdisciplinar. Tantas coisas e tantas forças. Se te pedir para atribuíres cinco palavras a Apollon, que palavras escolhes para o descrever? Só cinco palavras.

FH Cinco palavras?!

XN Cinco palavras.

FH Está bem. Acho que diria “engraçado”, “nojento”, “perigoso”, “circense”, “bailado”.

XN Sim, concordo totalmente. [risos] Concordo e uma das coisas em que normalmente penso acerca de Apollon é como é que o nosso público feminino e masculino vê este espetáculo. O que é que achas em relação a isso? Tens alguma ideia se a mente feminina vê Apollon de uma forma e a mente masculina de outra forma?

FH Não sei mesmo. Não sei mesmo como é a mente masculina [risos] e a mente feminina. Decididamente, não. O ponto de partida de Apollon foi ter ido parar à Ópera Nacional dos Países Baixos a ver a Companhia Nacional de Bailado dos Países Baixos a fazer Apollon Musagète, de Balanchine, esse novo bailado clássico realmente épico feito em… Não sei, esqueci-me. Esse retrata mesmo a história de Apolo.

XN O masculino. Apolo é masculino.

FH Sim. Quer dizer, ele é sempre representado assim. É um deus e é interpretado por Semyon [Chudin] como bailarino principal…

XN E as musas são…

FH E as musas, sim. Nesse caso, acho que são três musas. Sim. E ele escolhia a sua musa preferida dentre elas. Vemo-lo descer do Monte Olimpo e encontrar as suas musas e, depois, escolher a preferida. A mais avançada.

XN [risos]

FH [risos] É um pouco como agora vemos filmes antigos ou assim, que são com certeza bem feitos e muito importantes para a altura – e também muito importantes historicamente –, mas é claro que revelam muito sobre como era a sociedade no momento em que foram feitos. Se olharmos para este Apollon Musagète, ele retrata realmente os papeis de género da velha escola, claro, e eu reagi imediatamente a isso. Trata-se de um debate muito atual em torno do que fazemos agora com este fenómeno antigo do artista e sua musa e a dinâmica entre ambos. No que diz respeito ao género, claro. É por isso que, para mim, era muito interessante trabalhar com este material. Também com tipos diferentes de corpos e questionar o arquétipo masculino de Apolo, eu diria.

XN Sim. Totalmente.

FH O deus da arte de alguma forma. Enquanto coreógrafa, claro que eu também assumo um pouco esse papel quando faço espetáculos, não? Reúno as minhas intérpretes à minha volta como Apolo reúne as suas musas à sua volta. E é esse tipo de relação que também tenho com as minhas bailarinas, acho eu.

 

00:06:24

XN Sinto-me sempre musa para ti. Ao mesmo tempo, continuo a ser eu, sabes?

FH Sim.

XN Quando trabalhamos juntas, quando fazemos estas reposições e durante o processo, sinto sempre que te estou a dar uma parte de mim – uma parte de mim realmente importante – e podes fazer o que quiseres com ela.

FH Ah! A musa perfeita. Bem, a musa feliz. Tão solícita. Lembro-me de te entregares ao processo, o que eu considero muitíssimo importante. É um privilégio tão grande enquanto coreógrafa. No caso de Apollon, ainda julgava que selecionar e fazer audições não é nada divertido e descobri-te aqui em Lisboa.

XN É verdade.

FH Sim. Vi-te e acho que foi: “Sim, ela é uma musa”.

XN Oh.

FH “Ela consegue fazer algo muito especial que outros não conseguem.” E é claro que fiquei muitíssimo impressionada com o teu sentido de disciplina. Isso é uma coisa a que reajo muito nas pessoas, se vejo um sentido de disciplina muito especial e um esculpir do próprio corpo para conseguir fazer algo de extraordinário. Por isso, eras a musa perfeita.

XN Somos todas muitíssimo… Tipo, a musa perfeita. Sinto isso quando estamos em grupo, sabes? Talvez possas falar um pouco sobre cada uma de nós. Como nos descobriste, por exemplo. As pessoas já sabem que me descobriste ♪aqui♪, em Lisboa, mas como descobriste ou se já conhecias as nossas irmãs.

FH Vamos começar com a nossa irmã mais velha, a Renée [Copraij].

XN A Renée.

FH Na verdade, fiz com ela a primeira espécie de apresentação do trabalho em curso, eu diria, do que mais tarde se viria a tornar Apollon, que na altura se chamava Muse [musa], não? Chamava-se Muse e fizemo-la aqui. Dado não haver eletricidade no estúdio, não podíamos verdadeiramente trabalhar, por isso, na verdade, passávamos o tempo a beber café e a discutir sobre este tema, porque a Renée fizera mesmo o papel bastante tradicional da musa em relação ao Jan Fabre e ao trabalho dele.

XN Os bailados dele são extremamente intensos.

FH Sim. Eu diria mais como a dança contemporânea ou o teatro dançado. Ela foi mesmo musa de um coreógrafo durante mais de vinte anos. Portanto, falámos muito sobre isso e sobre o que é diferente comigo a assumir esse papel agora. A nossa relação em termos de poder e tudo o mais já é muito mais ambígua, porque ela também foi minha professora na escola. Por isso, na verdade, ela foi sempre a pessoa que admirei e de quem recebi indicações, digamos. Dar meia-volta e convidá-la para se tornar musa foi uma estranha inversão de hierarquias. Além de que ela continua a ser uma autoridade para mim e me sentirei sempre aluna dela. Incluindo em Apollon. Quer dizer, somos todas um pouco alunas dela.

 

00:09:47

XN Somos todas. É a nossa mãe, evidentemente. [risos]

FH [risos] Isso é verdade. Ainda que seja o Darth Vader do espetáculo. É a mãe. A mãe suprema.

XN A mãe suprema. Na verdade, nos ensaios, senti que ela sempre me ensinou muito, sabes?

FH Sim.

XN Foi mesmo bom, porque senti que ela é mesmo professora, sabes? Aquela figura. “Devias fazer assim.” E isso é ótimo. É espantoso. E ela é tão boa a explicar as coisas. Tenho a mesmo sentimento.

FH Lembro-me de ela estar a treinar contigo para seres o cão.

XN O cão. [risos] E a posição…

FH Exatamente.

XN … e as linhas e a forma como colocas os braços… Sinto que aprendi tanto com aquilo, porque nunca pensei nisso no meu corpo, acho eu. Eu sou sempre, tipo, “Rrrrr, não quero saber, somos livres”, e ela foi mesmo ótima.

FH Sim. Acho que também aprendi com ela a concentrar-me numa          coisa, porque, enquanto artista, quando se é jovem, quer-se fazer muitas coisas ou fica-se demasiado entusiasmado, quer-se fazer um pouco de tudo e ela é alguém que nos pode fazer recentrar numa só coisa.

XN Sim.

FH Tem também, obviamente, uma vasta experiência de ioga. Por isso, recebemos um pouco disso. Cantar durante o processo.

XN ♪Cantar♪.

FH Não, mas a sério, ela lembra-te de simplificares e seres boa nisso de algum modo. Basicamente fizemos um espetáculo, aqui em Lisboa, em que só comemos lagosta à volta da mesa e falámos da relação dela com o Jan Fabre e de ela ser uma musa e do que significaria se ela se tornasse na minha musa. Se isso significaria, por exemplo, que teríamos de ter relações sexuais, porque…

XN Ah. Sim.

FH … isso é um pouco o trato: quando se é a musa de um artista, há algum tipo de partilha sexual ou, pelo menos, uma fantasia erótica ou qualquer coisa. Foi um diálogo engraçado que tivemos e acho que isso também foi mais ou menos o começo de Apollon Musagète. As outras…

XN A Annina [Lara]!

FH A Annina. Não sei. “Encontrei-a na rua. Estava na sarjeta.” Não. A Annina é uma atriz suíça espantosa e eu já colaborei com ela antes. É uma cabra maluca. É o tipo de mulher que espanta qualquer homem da cama. [risos]

XN Isso é tão verdade. Isso é mesmo tão verdade.

FH Fiquei muito impressionada com ela. Quer dizer, ela é mesmo a personificação…

XN Totalmente. A musa poderosa. A musa sanguinária. [risos]

FH … de uma musa, porque é uma mulher terrível. E ela também é muito divertida. Quer dizer, ela é a nossa comediante. Na verdade, em Tanz, o trabalho dela é fazer comédia sozinha em palco. [risos]

XN E esteve muito bem, na verdade.

FH Sim. E, quer dizer, ela tem um papel espantoso em Apollon, não? É a Calamity Jane, mas também vaqueiro. Por vezes, não gostamos de alguém no público e então…

XN Temos a Annina para nos proteger.

FH … a Annina protege-nos. A Annina consegue estabelecer comunicação entre nós e o público em relação ao qual estamos um pouco céticos. Só estou a dizer isto, porque temos realmente um público algo perverso de tempos a tempos.

XN Sim.

FH Ela protege-nos e também é muito divertida. Consegue fazer coisas muito cruéis de forma muito simpática. Pronto, é a Annina. A [Maria] Netti [Nüganen] foi minha aluna, por isso era uma relação do género professor-aluno. Para mim, foi bom ter uma professora minha no espetáculo, mas também foi bom ter uma aluna minha no espetáculo. Eu diria que ela é um pouco o meu duplo, porque fazemos muito exercício no espetáculo e eu precisava de um corpo de sonho. Precisava de um parceiro de ginásio e é a Netti.

XN Sim, totalmente. Vocês parecem estar em simbiose no espetáculo. Como gémeas, sem serem siameses, sabes?

FH Sim.

XN E treinam muito durante o processo.

FH Começámos a treinar muito juntas. Acho que isso até nos tornou parecidas, por causa de um tipo de treino parecido e também…

XN [risos] Exatamente.

FH … termos ganho músculo juntas para Apollon. Eu diria que somos um pouco como as mulheres fortes. Num espetáculo circense, aparecem várias personagens e eu diria que eu e a Netti somos as mulheres fortes e, na verdade, a Annina é a mulher barbuda.

XN Sim. E a Renée também um pouco. [risos]

FH A Renée também é um pouco a mulher barbuda. [risos] Não sei o que tu és. Certamente um pouco a mulher cobra.

XN Acho que sou a cobra.

FH Sim. Acho que defines toda uma outra… coisa.

 

00:15:07

XN E, agora, a nossa última irmã, a Evelyn [Frantti].

FH Sim. A Evelyn. Ela é a verdadeira artista de variedades. Na verdade, ela foi selecionada. Retiro o que disse antes, que não seleciono ou faço audições. Estava mesmo à procura de alguém capaz de fazer coisas extraordinárias com o corpo. Fui a Coney Island. Vi espetáculos circenses. Adorei. Gosto mesmo das coisas que se vêm em Coney Island e a que se chama entretenimento. Seriam apelidadas de arte performativa se as víssemos numa galeria ou numa sala. Fiquei muito intrigada com isso e queria mesmo ter a Evelyn, porque, quando me encontrei com ela pela primeira vez, perguntei-lhe “O que é que és capaz de fazer?” e, depois… Não sei, não devia revelar isso agora.

XN Não, não, não. [risos]

FH Ela fez coisas loucas que eu nunca tinha visto…

XN Exatamente.

FH … e que não achei que fossem possíveis com o corpo humano. Ela mostrou-me que a anatomia é uma coisa maravilhosa…

XN Verdade.

FH … e que há muitas surpresas escondidas no teu próprio corpo.

XN Verdade. E acho… Não sei. Quando vejo os números dela, sinto que podemos fazer o que quisermos, porque somos novas e livres. É mesmo assim, sabes? Como a canção. Sentes isso? [risos] Sim, é verdade. Quando isto é tão fora do vulgar… Às vezes, não se acredita que está mesmo a acontecer e é do género “Ó meu Deus, o meu corpo não serve só para bater palmas ou não serve só para dançar, não serve só para estas coisas sociais que nos inspiram a ser quando somos pequenos, mas podemos ultrapassar o limite”. Lembro-me da primeira vez que vi a Evelyn a atuar e eu era do género “Ó meu Deus. Porque é que isto só me está a acontecer aos vinte e um?”.

FH [risos]

XN Fiquei mesmo impressionada, sabes? Por isso, consigo imaginar como ficaste impressionada da primeira vez que a viste.

FH Sim. Claro que também vemos ali alguém que trabalhou o corpo mesmo bem para fazer determinadas coisas, mas também é muito parecido com o teu número… Ao crescer – e aquilo que a sociedade nos ensina –, julgamos haver muitos limites que, na verdade, não testámos nós mesmos. As pessoas dizem-nos que não devemos fazer isto ou não devemos fazer aquilo, quando, na verdade, é realmente possível e acho que é sempre importante sermos nós a definir o que é confortável para nós fisicamente e o que não é. E há muita margem para experimentar…

XN Sim. Verdade.

FH … para além das coisas que se deve ou não fazer. Quer dizer, a Evelyn é um exemplo perfeito por ser uma autêntica feiticeira com o seu corpo. Ela simplesmente testou coisas e escobriu novas possibilidades.

XN Sim. Sentes que, por vezes, não sei, tens um limite?

FH Claro.

XN Tens um limite.

FH Claro. Quer dizer, ainda ao pequeno-almoço, a Annina dizia: “Flo, ficaste tão medrosa, agora que entraste nos trinta”. Porque fomos ao parque de diversões e eu não queria andar nas atrações malucas. Agora, sonho que a montanha-russa vai simplesmente descarrilar ou algo do género.

Viste os filmes?

FH Não.

FH Não, não vi.

XN Está-se numa espécie de sítios. Alguém tem uma visão, adormece e, quando acorda, a visão começa a concretizar-se. Um dos filmes [o 3] é numa montanha-russa. Ele adormece e, no sonho, a montanha-russa começa a bra, bra, bra por todo o lado. E, quando ele acorda, começa tudo a ser como ele sonhou e toda a gente morre, exceto ele, porque ele teve a visão. Não é o melhor dos filmes. Na verdade, não é um bom filme, mas tem este género de ideia. O que é que sentiste?

 

00:19:31

FH Acho que, agora, tenho um bocadinho mais de medo de um ponto de vista físico. Quer dizer, no caso da montanha-russa, é normal que te acobardes e a excitação é essa de algum modo. Eu estava a rodar um filme com a Annina e tinha de fazer uma queimadura corporal. Apenas parcial. Eu já fiz uma queimadura corporal total há cerca de um ano e estava muito contente com isso, porque, para mim, era superar alguma coisa, desafiar-me a mim mesma com o elemento do fogo. Mas, desta vez, simplesmente já não me senti confortável com o fogo. Talvez isso tenha a ver com [o facto de] também ter passado por cenas merdosas…

XN Claro.

FH … mas, ainda assim, acho que isto muda mesmo com a vontade que se tem de correr riscos ou assim. Tu sabes, eu nunca quero correr riscos e especialmente em Apollon ou também em Tanz, onde fazemos coisas aparentemente loucas, mas num ambiente muitíssimo controlado. Isso é importante.

XN De forma muito disciplinada, na verdade.

FH Sim.

XN Acho que em Tanz ou Apollon talvez as pessoas pensem que somos malucas ou qualquer coisa. Já temos tantos sentimentos radicais sobre a peça, mas somos sempre muitíssimo disciplinadas.

FH Sim.

XN Acho que é uma das palavras mais importantes no teu trabalho, não?

FH Sim. E cuidar mesmo umas das outras. Os primeiros espetáculos que fiz na vida eram espetáculos loucos como o caraças, porque não sabia o que estava a fazer.

XN Pois.

FH Mas Apollon… Na verdade, é por isso que digo que é o meu espetáculo mais convencional, porque sei mesmo, a cada instante, o que deve acontecer.

XN O que deve acontecer.

FH E, se nos afastamos disso, fico nervosa. Lembraste do tipo em Frankfurt que se estava a passar no público?

XN Sim. Na verdade, tinha essa pergunta para ti. [risos] Qual foi a reação mais radical que viste no público? Eu, na verdade, lembro-me desse tipo.

FH Isso é uma expressão engraçada: “reação radical”.

XN Reação radical.

FH Eu acho que isso foi bastante radical, as pessoas a desmaiar. Quer dizer, no caso de Tanz, isso tornou-se mais ou menos normal… Agora, sabemos que normalmente não é um ataque cardíaco ou qualquer coisa do género. Mas no caso de Apollon, quando aquilo aconteceu, não tínhamos a certeza, pois não? Não sabíamos.

XN Não sabíamos.

FH Pensámos que era uma paragem cardíaca ou qualquer coisa.

XN Era qualquer coisa relacionada com o coração, porque me lembro de acenderem as luzes e pararmos. Lembro-me de ter parado de fazer de cão. Parei com a Renée, parámos assim. Tu e a Netti pararam de dançar. Ficaram assim. E lembro-me de que as luzes estiveram acesas cinco minutos ou assim e o tipo não se mexia mesmo.

FH Sim.

XN Estava assim e levaram-no e, depois, tu disseste qualquer coisa como: “Pronto, podemos continuar o espetáculo”. [risos]

FH Bem, eu estava a ver como estavam as pessoas. Do género: “Sentem-se todos bem?”.

XN Sim. Eu lembro-me.

FH E, depois, perguntei às pessoas: “Continuamos?”. Porque acho que ninguém sabia muito bem o que tinha acabado de acontecer.

XN Não. Estávamos todos do género: “Pronto, vamos portar-nos bem e esperar por…”.

FH Sim. Então, toda a gente aprovou e nós: “Está bem, vamos continuar”.

XN Vamos continuar.

FH Seja como for, ele acabou por só ter… Como é que se diz? Ele só teve um colapso ligeiro. Tiraram-no da sala e estava tudo bem. Mas lembro-me de estar um pouco em choque.

XN Eu também.

FH Estava do género: “Ó meu Deus, matámos alguém com o nosso espetáculo. A pessoa ficou demasiado chocada”. [risos]

XN Talvez já tenha morrido. Não posso dizer isto. [risos]

FH Era um tipo de idade e, quer dizer, costumamos sempre dizer, “Não nos deem tantas pessoas de idade, porque vão desfalecer nos assentos”.

XN Sim. E, por vezes, as pessoas pensam que estão preparadas, por estarem simplesmente iludidas. Não viram o que o teatro escreve. Do género: “Temos cenas escatológicas”, ou seja o que for, e a fumar cigarros e blá-blá-blá, mas não sabem verdadeiramente que não se trata apenas de palavras.

FH Sim, mas também o que é que se sente realmente se se vê alguém a fazer determinadas coisas.

XN Sim, totalmente.

FH Quer dizer, eu acho que também não saberia como iria reagir se visse aquilo. [risos]

XN Eu agora sei. Eu agora sei.

FH Ah, tu agora sabes!

 

00:24:05

XN Eu agora sei, porque, quando vi agora Tanz pela primeira vez, em Viena, na estreia, suei tanto, porque não sabia nada, e a minha boca estava sempre cheia de… Como é que se chama isto?

FH Saliva.

XN Saliva. Sempre. Tinha de ter uma camisa para fazer… por ter tanta. Estava tão nervosa. Nunca vi Apollon, mas vi Tanz e acho que foi a melhor experiência. Comovente, para rir, engraçada e… não sei. Tantas coisas ao mesmo tempo. Este ano foi muito intenso para mim, porque senti pela primeira vez o que as pessoas talvez sintam quando veem Apollon ou Tanz, as tuas criações, pela primeira vez. Foi simplesmente tão… Senti que o meu coração parou durante duas horas [risos] e regressou quando te voltei a abraçar depois do espetáculo. Por isso, deu para imaginar. Já estava preparada, porque trabalho contigo, mas se tive esta sensação sem fazer parte da peça e sem saber o que ia acontecer, consigo imaginar como as pessoas veem pela primeira vez – e elas não trabalham contigo. Dá para acreditar. É uma espécie de misto total de sentimentos e acho que, para mim, também enquanto criadora, é duro. É duro. Quando se sente coisas, quando se tem mesmo muitos sentimentos dentro de si, quando se está a ver alguma coisa e não é só “Ah, sim, ela é uma boa bailarina” ou “Ela é uma grande atriz. Oh, é uma peça sobre o amor”… Isso também é importante, mas, para mim pessoalmente, quando vejo alguma coisa que me desperta tantos sentimentos ao mesmo tempo, posso mesmo dormir melhor nesse dia e posso dizer: “Sim, isto é um contributo para o mundo”. Especialmente para as mulheres. É por isso que pergunto o que pensas sobre público feminino e masculino, porque eu, enquanto mulher, quando vi Tanz (e quando faço Apollon), senti mesmo que tive uma educação social para ser mulher e, ao crescer, comecei a ter o meu próprio trabalho e quis acabar com essa criação sobre as mulheres, sobre o que deveria fazer, o que deveria vestir… Isto é mais do que isso, sabes? Eu, enquanto mulher, ao ver tantas mulheres fazerem números tão extraordinários, consigo mesmo imaginar que posso fazer o que quiser. Acho que tenho esta espécie de ligação com o teu trabalho e tenho a certeza de que todos os que foram ver os teus trabalhos sentem isso. “Ó meu Deus, também posso fazer tudo o que os homens fazem.” Não sei. É uma sensação tão boa. [risos] Estava a pensar, há alguma apresentação de que te lembres mesmo? Por exemplo, o espaço e o país ou a cidade. Há alguma apresentação de que te lembres especificamente?

FH De Apollon?

XN De Apollon.

FH Ó meu Deus. Quer dizer, se começar a pensar nisso, há várias.

XN São tantas.

FH Aquela que dissemos, com o tipo a desfalecer, claro. Isso é algo de que me lembro. Mesmo, mesmo especial para mim foi aquela, em Viena, quando voltámos lá, ao Volkstheater.

XN Sim, também para mim. [risos]

FH Sim?

XN Sim. [risos]

FH Porque lá senti que fizemos aquele espetáculo para… Só para contextualizar um bocadinho, o Volkstheater não é o Buch-Theater, por isso, não é o maior, mas é um teatro bastante grande do tempo da Renascença. Acho que cabem lá dentro 800 pessoas. Normalmente, acolhe Sprech-Theater bastante tradicional, teatro falado. Aquele espaço nunca testemunhou um espetáculo como aquele e pareceu mesmo que exorcizámos o espaço.

XN Totalmente. Não conheço o Volks[theatre], mas tenho a certeza de que o programa do teatro não é do género do que fizemos. É tão especial.

FH Não. Também o público é aquilo a que chamamos o lago prateado, as pessoas de idade de cabelo branco que vêm assistir a qualquer coisa agradável ou ver bons atores. O que acabaste de dizer.

XN Bons atores, sim.

FH Mas é claro que, no que diz respeito ao sítio, era perfeito para nós, porque, quer dizer, há estátuas de anjos nas paredes e um cenário barroco e o pano de ferro e os assentos de veludo vermelho…

XN Sim, totalmente.

FH … e o balcão. Senti que era mesmo muitíssimo importante fazer ali.

XN Lembro-me de termos ido umas três ou quatro vezes – não, quatro vezes – durante o aplauso. Como é que se chama a isso em inglês? Na última parte e fizeram uma…

FH Espargata.

XN Espargata. [risos]

FH Porque estávamos tão empolgadas durante os aplausos. Sim, fizemos umas espargatas extra. [risos]

XN [risos] Eu lembro-me e vi a tua cara. Estavas tão contente. Tipo, ah! Um sorriso de orelha a orelha. Foi tão bom. Tão bom. Lembro-me perfeitamente. E lembro-me de outra apresentação, em Ghent, quando aquela rapariga começa a ver o espetáculo e desmaia e sai e regressa e desmaia outra vez e sai…

FH Sim. Era um hospital de campanha.

 

00:30:12

XN Acho que é uma caraterística deste espetáculo. Às vezes, as pessoas… Não é por não estarem a gostar do espetáculo, é por não conseguirem lidar [com o que estão a ver] e este foi um dos exemplos.

FH Sim.

XN Às vezes, quero ver. O meu corpo não consegue lidar [com o que estou a ver], mas eu quero ver. “Eu quero ver isto.”

FH Sim. Também nunca desistir, porque algumas pessoas não conseguem lidar com o sangue, mas há muitas outras cenas que não têm sangue. Por isso, algumas pessoas regressam, para verem outras coisas.

XN Sim, totalmente. Totalmente. Querida!

FH E, quer dizer, vá lá… Agora, Apollon vai ser mesmo divertido.

XN Sim.

FH Agora, estamos a começar a sair da Europa, para Nova Iorque. Isso também vai ser realmente especial.

XN ♪E Quioto!♪

FH E Quioto. Todos esses sítios. Agora, vai ser divertido, porque vamos aos sítios onde as pessoas normalmente não veem muito coisas dessas e isso é mesmo porreiro como o caraças.

XN Acho que vai ser uma experiência totalmente nova.

FH Sim.

XN Normalmente, fazemos isto tudo na Europa, sabes? Temos uma espécie de… Não é a mesma educação em todos os países…

FH Mas uma espécie de rede, uma rede estabelecida.

XN Sim. E agora vamos noutra direção.

FH Sim.

XN Vamos ter sensações totalmente novas com esta peça, acho eu.

FH Sim. Acho que Apollon de alguma forma foi a obra em que, para mim, em termos de carreira, de repente o mundo do teatro reagiu do género: “Ah, a dança também pode ser interessante”, sabes? Os locais de teatro mais convencionais também. De repente, escrevem-me. O que é que eu queria dizer com isto? Que foi uma obra muito importante para mim, porque consegue trazer algo bastante inovador e torná-lo acessível a muitas pessoas, na verdade.

XN Sim.

FH E também trabalhar numa escala maior, claro. Também quero dizer que claro que adoramos levar isto aos espaços experimentais mais chungas, porque essas são as pessoas que realmente o entendem. [risos]

XN [risos] Sim, é verdade. Verdade. Quando dizes isso, de algum modo gostas de entrar na mente das pessoas que veem os teus espetáculos e tentar desconstruir algo social? Isso é importante para ti? Da mesma forma que desconstróis a ideia de mulher. Sentes que fazes isso na tua performance – desconstruir por completo a ideia de uma mulher normal?

FH Suponho que sim, mas, quer dizer, concordo com o que disseste antes, que o que é interessante para mim em fazer arte é a questão toda da liberdade. A começar pelo que esperam que faça e passando pelo que quero fazer, o que me permitem fazer, o que posso fazer. Juntar isso tudo de forma a que uma pessoa até se consiga surpreender ou, em grupo, como no grupo de Apollon, surpreendermo-nos uns aos outros e, depois, ensinarmo-nos uns aos outros.

XN E ensinarmo-nos uns aos outros.

FH Para mim, isso é mesmo o mais porreiro ao criar alguma coisa. É mesmo o mais divertido. Por isso, acho que tem muito a ver com simplesmente ter muita curiosidade em ir a esses sítios. Não me preocupo muito com estilhaçar perceções existentes ou assim. Elas estilhaçam-se pelo caminho quando se procura mesmo fazer o que se quer fazer ou onde a curiosidade nos leva.

XN Sim, verdade. Às vezes, sinto isso – não da mesma maneira – no meu trabalho pessoal. Sinto que, às vezes, preciso não só de me colocar à prova em palco mas também as pessoas que me veem. Para ver como é que consigo expandir os limites da liberdade, acho eu. E acho que fazes isso nos teus espetáculos especificamente. A liberdade é um outro lugar; não é apenas liberdade, não é apenas isso, é transpor a fronteira da liberdade. Acho que sim. Gostaria mesmo muito de te perguntar, porque nós…

 

00:35:01

FH Sim, eu sei. Quer dizer, é por isso que, para mim, a melhor coisa é dizerem-me que viram e ficaram: “Ah”. É um pouco isso que as pessoas dizem: “Ah, eles podem fazer qualquer coisa”. Sabes? Mas é um pouco… Qualquer pessoa pode fazer qualquer coisa. Por que é que também não o havias de fazer? [risos]

XN [risos] Exatamente!

FH Por que é que também não o havias de fazer?

XN Vamos fazer uma oficina Apollon. Venham, venham, venham.

FH Devia dizer-te que acabei realmente de fazer uma oficina na Suíça?

XN O quê? Conta.

FH E todos os vinte estudantes, lição número um: prego na cara. Queriam todos fazer isso. Pediram-me. Vinte pessoas.

XN Ó meu Deus.

FH Aprenderam ao fim de apenas dez minutos. Não, isso é…

XN Não sabia. Tens de me contar mais sobre isso.

FH Só para dizer que se pode aprender tudo se se for ensinado. [risos]

XN Havíamos de imaginar uma coisa como…

FH Oficina Apollon.

XN Oficina Apollon.

FH Tenho a certeza de que tens muito para ensinar, Xana.

XN Tenho. [risos]

FH Iam adorar aprender isso na Suíça, sabes? Precisam de alguma emoção.

XN Emoção.

FH Demasiada neutralidade.

XN Totalmente. Às vezes, penso: “Sou portuguesa, sou deste país”. Quando te conheci, foi tipo: “Ó meu Deus! Isto é mesmo…”. Sabes? Tenho de dizer que, para mim, foi uma loucura. Tu sabes disso.

FH Porque também eras nova como o caraças.

XN Sim, era mesmo nova. Menos três anos?

FH Quase três.

XN Tinha vinte e um, vinte e dois.

FH Sim.

XN Vou fazer vinte e cinco.

FH Uau.

XN Uau. [risos]

FH A Xana é a mais nova de nós. Não? Ainda és mais nova do que a Netti.

XN Não, é a Netti. A Netti é a mais nova.

FH Ah, está bem. São os bebés.

XN Temos uns seis meses de diferença. Sim, é mesmo engraçado. Para mim, foi mesmo do género: “Ó meu Deus”. Nos dias 19 e 20 de dezembro, o que esperas do nosso público em Lisboa? Tens alguma expectativa ao apresentares este espetáculo pela primeira vez em Portugal?

FH Não. Claro que a situação financeira dos artistas aqui é ainda mais difícil do que em qualquer outro lado. Claro que estamos num sítio em que também não se está tão sobre-exposto a coisas malucas.

XN Sim. Verdade.

FH Acho que isso torna as coisas sempre mais especiais e também é uma razão mesmo porreira para estar cá. Depois, claro que sei que conheces muitas pessoas cá, por isso, para ti, também é um pouco um regresso a casa.

XN Verdade. Totalmente verdade. Às vezes, sinto que isto é mesmo importante, ter o teu trabalho aqui, neste país, sabes? Porque – já falámos sobre isto – estes limites à liberdade cá são mesmo castrados pelas grandes instituições e assim. Sempre senti isso no meu trabalho, devo dizer. É verdade. E quando temos cá alguém como tu a apresentar e a mostrar… Tenho a certeza de que muitas das pessoas que vêm talvez não saibam o que vão ver. Isso é tão importante, porque nos podes dar, a nós que também somos artistas, uma porta. “Muito bem, isto é competente, isto implica mesmo tudo o que tu tens enquanto humano.” Porque eu acho que Apollon é uma peça muitíssimo humana. É muitíssimo humana. Todos nós, enquanto pessoas normais, achamos que ser humano é fazer uma vida normal. “Sim, estou só aqui a existir, a viver a minha vida, a ir para o trabalho, a vir do trabalho.” E não é só isso. É como dar asas a alguma coisa e isso é mesmo, mesmo, mesmo bom.

FH Claro, porque, se não tiveres apoio, é muito mais difícil levar a cabo experiências que são um pouco fora do normal e defendê-las e tudo. Por isso, acho que é porreiro. Em Apollon, tínhamos um apoio à produção muito forte. Se não tivéssemos, não teria sido possível.

XN O CAMPO é ótimo.

 

00:39:58

FH Claro que também é um privilégio poder estar na posição de dizer: “Posso fazer tudo o que quiser”. Ou, pelo menos, tentar. Quer dizer, Deus sabe que não é tão fácil quanto isso [risos], mas é preciso ter algum tipo de apoio. Caso contrário, é uma luta solitária.

XN Sim. Sentiste isso antes, o que disseste agora?

FH Não sei. Quando era mais nova… Não sei. Não diria que isso me limitou mesmo.

XN Pois.

FH Acho que as primeiríssimas coisas que fiz foram provavelmente as mais radicais que alguma vez fiz, porque também não queres saber em parte, sabes? Também não há nenhuma expectativa a cumprir. E no caso de Apollon já havia alguma expectativa. Também um pouco de “Não vamos desperdiçar o dinheiro” e coisas do género. Mas só se pode pensar nessas coisas até certo ponto, porque, caso contrário, também te bloqueia. Também ajuda ter uma rede de pessoas à volta com quem trabalhar mesmo boa, porque isso já é razão suficiente para passar tempo juntos. E, então, deixa de ser sobre como é que no fim de contas vais gastar o dinheiro ou se vai haver alguma coisa no fim. Não queres saber disso, porque de algum modo é tempo bem passado.

XN Sim. Consideras-te uma pessoa viciada em trabalho? És viciada em trabalho?

FH Na verdade, não. Diria que sei ser ociosa. Vá lá, olha para mim. É por isso que preciso de musas.

XN Ah.

FH Para fazerem o trabalho por mim. [risos]. É verdade.

XN [risos]. Ó meu Deus, não posso acreditar! Mas tu também és a nossa musa. Não sei se sabes.

FH Sim. Espero que sim…

XN És.

FH … porque, quer dizer, esse é o ponto principal de Apollon: que qualquer um pode ser Apolo e a musa ♪ao mesmo tempo. Misturando.♪

XN ♪Ao mesmo tempo.♪

FH Espero que sim. Isso é tudo o que podemos dar uns aos outros e, então, é fácil fazer com que funcione.

XN Eu acho que o processo foi simplesmente tão bom. As nossas oficinas.

FH Sim. Eu aprendi coreografia com armas.

XN Sim. Como as armas.

FH Detesto sempre quando as pessoas dizem: “O processo foi tão incrível, foi tão bom”, mas Apollon foi mesmo… Tanz, que fiz depois, foi um processo muito mais difícil. Apollon foi mesmo perfeito.

XN Na verdade, foi divertido.

FH Não sei como é que aconteceu, mas foi divertido e não me pareceu muito trabalhoso honestamente. Como se estivesse simplesmente ali. Isso significa que se tem sorte uma vez e, depois, é preciso voltar a trabalhar, o que não tem problema [risos], mas Apollon foi especial desse ponto de vista, sim.

XN Sim, totalmente. Acho que não revelámos nada [risos], o que é bom.

FH Sim, é bom. Não, não falámos sobre nada em específico.

XN Não. Não podemos fazer isso. Têm de ver o espetáculo. [risos]

FH [risos] Exatamente.

XN Talvez Nova Iorque ou Quioto. Ou… Portugal. [risos]

FH Exatamente.

XN Obrigado, irmã. Foi tão bom.

FH Não tens de quê.

XN Foi mesmo bom falar contigo outra vez.

FH Outra vez. [risos]

XN Outra vez. Quero falar mais. [risos]

FH Ó meu Deus, ainda temos o resto da vida para falar.

XN Sim.

 

00:43:30

Dito e Feito é um podcast do Teatro do Bairro Alto. A gravação é do Estúdio Fisga e a edição é do Pedro Gancho. A música é de Raw Forest. Acompanhe o TBA nas redes sociais e em teatrodobairroalto.pt.

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