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18 Fevereiro
Scúru Fitchádu, Cachupa Psicadélica, Ana Rita António

Quarto Escuro, Panela Quente

12€
Música

18 Fevereiro

sexta 19h30

Música
Preço 12€
Menores de 25 anos 5€

Palco da Sala Principal

Classificação Etária:

M/6

Voz, samplers, gaita e ferro Scúru Fitchádu
Voz, guitarra Lula’s
Visuais Ana Rita António
Bateria eletrónica e percussões Bdjoy
Sintetizadores Gunzu
Voz Márcia
Teclado Henrique Silva
Baixo Renato Almeida
Desenho de Luz Ricardo Pimentel

Alerta! Na sequência das medidas de combate à Covid-19, para assistir aos eventos no TBA precisa de apresentar um dos seguintes comprovativos:

• Certificado Digital Covid da EU nas modalidades de Vacinação completa, ou de Testagem com resultado negativo (antigénio nas últimas 48h ou PCR nas últimas 72h) ou de Recuperação (há mais de 11 dias e menos de 180 dias).
• Comprovativo de Vacinação completa (Janssen, AstraZeneca, Moderna ou Pfizer) ou de Recuperação emitidos por países terceiros.
• Comprovativo laboratorial de testagem negativa ao SARS-CoV-2 (antigénio nas últimas 48h ou PCR nas últimas 72h).

Não são admitidos autotestes. Crianças até 12 anos estão dispensadas de apresentação de certificado. Crianças a partir dos 12 anos estão sujeitas às mesmas regras dos adultos.

Condições de acesso
• Haverá medição de temperatura sem registo à entrada do espaço.
• É obrigatório o uso de máscara dentro do edifício antes, durante e depois das sessões
• Desinfete as mãos e adote as medidas de etiqueta respiratória
• Mantenha a distância de segurança e evite o aglomerar de pessoas
• Traga o seu bilhete de casa ou, caso tenha mesmo de comprar o bilhete no TBA, escolha o pagamento contactless por cartão de débito ou MBway.
• Coloque as máscaras e luvas descartáveis nos caixotes de lixo indicados
• Nas entradas e saídas, siga as recomendações da equipa do TBA
• Não é possível alterar o seu lugar após indicação do mesmo pela Frente de Sala.

Entrevista de Yaw Tembe (programador de música do Teatro do Bairro Alto) a Marcus Veiga (Scúru Futchádu), Lula’s  (Cachupa Psicadélica) e Ana Rita António

 

Yaw Tembe – No próximo dia 18 de fevereiro  apresentam no TBA um projeto intitulado Quarto Escuro, Panela Quente,  um título bastante visual  que remete para um estado de tensão e alerta. Quais formas as premissas para este trabalho?
Marcus Veiga – Estávamos à procura de um tema que unisse as duas sonoridades e a intervenção visual, e o Lula’s sugeriu Quarto Escuro, Panela Quente, e que remete mesmo para um estado de tensão. A última coisa que queres encontrar ao entrares para um quarto escuro é uma panela quente ou a ferver. Indica logo uma sensação tensa, de perigo. E acaba também por ir ao encontro dos conceitos e imaginários dos dois projectos, tanto de Cachupa como de Scúru. É um título muito visual que funciona bem para um espectáculo ao vivo, é aí que a componente visual da Ana ganha mais peso. É tudo muito visual e à volta de sensações. É entrar numa divisão em que não sabemos bem o que vamos encontrar.
Lula’s – Para mim a questão do nome é interessante por tentar unir a minha música com a do Marcus. Apesar de no momento sermos tão próximos, as duas músicas estão distantes. E isso cria uma incerteza sobre o quê e como irá acontecer ao certo. Isso é a panela lá no meio. Tu aceitas o desafio de entrar no quarto mesmo sabendo que está lá a panela. Assumo  esse risco porque me parece interessante,  mesmo sabendo que posso bater com a boca no chão. Há um desafio que espicaça a coisa.
Ana Rita António – Tenho estado fechada no estúdio a ouvir as duas bandas e tenho trabalhado de uma forma mais intuitiva. O processo tem sido bastante orgânico, surgem várias imagens, várias ideias que vêm dum pensamento automático. Não consigo justificar porque é que elas vêm. Pode ser que depois venham a fazer sentido. Tem sido uma descoberta constante.
YT – Reconheço uma certa energia no trabalho de cada um, algo relacionado com o que é dito e a forma que o dizem. Tem que ver com a poesia e o jogo entre o símbolo e o significado.
MV – Tudo começa com a palavra, mas eu valorizo muito o embrulho, como ela é dita e entregue. Obviamente que também me preocupo com a composição e o significado que essas palavras possam ter. Mas especialmente neste projeto, temos que gerir bem o lado performativo e potenciar o diálogo com o público. Este concerto acaba por ser um exclusivo e há uma atenção especial em como a palavra é dita, e quando digo palavra digo um acorde ou um ruído. A música do Lula’s ganha outra dimensão ao vivo, tal como a minha. A composição e gravação em estúdio são válidas, mas falta sempre o erro, aquela coisa humana, faltam pessoas, emoções, faltam feições. Transformar as palavras em algo mais que as próprias palavras.
L – Gosto da ideia de simplificar a palavra. O que digo ou o que vou tentar evidenciar na música do Marcus será a parte que considero mais simples e abrangente, independentemente da forma como se diz. Isso interessa-me.
Procuro momentos em que possa potenciar a minha palavra, e descobrir o que é que ela ganha com as sonoridades que o pessoal de Scúru vai trazer, e o lugar dessas palavras também se pode reencontrar, pelo simples facto de nos apresentarmos com uma formação diferente.
E é como o Marcus disse, não são só as palavras. Estes ensaios têm sido importantes para descobrir onde é que é que está o espaço na música do Marcus para podermos entrar. Essa tentativa de procurar, dentro da poesia do Scúru, um espaço nosso para tentar chamar a atenção para coisas que também nos interessam dizer, e vice-versa.
Quanto mais ensaiamos mais sinto que quero tocar pouco, porque somos mais, mais palavras juntas. Quanto menos cada um disser, mais bonita será a frase. Vou dizer assim, bonita! Gosto da palavra – gosto de cenas bonitas, não é Marcus?
MV – Sim (risos). Tem a ver com a interpretação. Logo no primeiro ensaio disse ao pessoal, “Cachupa está aqui para limpar a nossa música e nós para sujar a deles”. Não é um retrato muito fiel do que estamos aqui a fazer, apesar de ser válido. Mas ao mesmo tempo, é um jogo de interpretação – como é que os interpretamos e como é que somos interpretados – e há ainda uma terceira interpretação, a da Ana Rita.
YT – Ana, podes falar um pouco dessa gestão da simbologia em relação à palavra e como é que é manifestada no teu processo?
ARA – Eu tentei decifrar as letras, mas como até agora não foi possível, pedi-lhes para me enviarem uma tradução e estive mais focada nas batidas, nessas primeiras impressões. Tentei juntar as duas sonoridades, mas não de uma forma óbvia e também não racionalizei muito. De uma forma mais intuitiva, fui fazendo estas esculturas. E foram-me surgindo imagens um bocado surreais, entre o industrial e o orgânico ou o rural. Entre a violência e a poesia. Não é que elas sejam antagónicos, são próximos e ao mesmo tempo afastados.
Estou confiante que há coisas neste processo que não são óbvias. Por exemplo, esse encontro. Como é que se encontram, de que forma, quando e onde? Mas tenho a confiança de que eventualmente tudo irá ao lugar, mas tem que ser com uma atitude de calma e percebendo que há aqui uma fibra qualquer que se vai manter e fará sentido entre a música e os visuais.
L – Quero  acrescentar uma coisa que é: a descoberta não está propriamente nas três peças que compõem o espetáculo, mas em como criar uma ligadura entre as mesmas podendo as encaixar de várias formas. Tem sido mais um processo progressivo onde as três peças  se juntam e se transformam numa peça única, uma coisa orgânica e singular, e a coisa está para nascer, ainda só passaram seis meses de gestação, mas já há barriga!
MV – Pelo menos já se sentem os pontapés.
YT – Estarão sete músicos em palco e cada um deles aponta para um sem-número de projetos e contextos. Desde membros da banda Acácia Maior, Renato Chantre, um dos baixistas mais requisitados da cena lisboeta, Bdjoy, mc e produtor do hip hop da margem sul, só para nomear alguns. Isto acaba por ser representativo de um movimento latente?
MV – Não é só Scúru e Cachupa, nota-se isso muito nos ensaios. Cada um consegue acrescentar um pouco do seu tempero à música. É uma coisa viva, e um pulsar que se vai sentir ao vivo.
L – Os intérpretes de Scúru e Cachupa também são criativos  e isso trouxe-nos alguma liberdade. Por exemplo, o Bdjoy libertou o nosso beat. Tentamos “sacar” o máximo do dele. Estamos apenas a propor algo aos músicos, e no fundo a parte criativa  parte deles. Apesar de ser um encontro entre Scúru e Cachupa, cada elemento da banda traz o seu input, é pessoal criativo e que está habituado a escrever originais.
São várias mãos a trabalhar em conjunto e é como se tirássemos o peso do andor que estamos a carregar e que nos libertássemos para experimentar outras coisas que antes não faríamos porque estávamos a usar as duas mãos para carregar o andor da Cachupa.
YT – A vossa música é às vezes apresentada como estando em polos opostos, ambas resultantes da fusão da música cabo-verdiana com a influência de estilos urbanos. Reconhecem-se nesse antagonismo?
L – A música é cabo-verdiana porque nasci em Cabo Verde. O pessoal estranha quando digo que ouvi este ou aquele outro estilo de música, mas o que o pessoal não sabe é que eu não sou uma ave rara em Cabo Verde na minha geração. Várias pessoas foram também sujeitas a diferentes tipos de música. Já o pessoal lá atrás, Paulinho da Vieira, etc., todo esse pessoal andou a inventar e a misturar estilos. Só que passou tanto tempo que esses discos tornaram-se instituições. E isso padronizou-se e passou a ser uma coisa tradicional.
Eu e o Marcus estivemos a ouvir Prodigy na mesma altura em sítios bué distantes, ele aqui na tuga, um gajo em Cabo Verde. Mas isso porque aqueles discos eram muito bons e conseguiram chegar a todo lado. E o efeito dessa experiência refletiu-se de diferentes formas nas nossas músicas.
A estranheza surge quando o pessoal não tem as mesmas referências. Já juntaram dois estilos no mesmo grupo, mas faltava-lhes uma terceira referência, por exemplo.
Quando o Marcus trouxe o funaná e meteu aquele bassline, o pessoal não estava à espera de ouvir o funaná no meio daquilo. E aí o pessoal tenta catalogar a sonoridade, mas o Marcus apenas reflete a música que consumiu. Para mim é algo super natural. Nem gosto de reflectir muito, só me dá prazer reconhecer influências e ouvir reminiscências de coisas que gosto quando oiço a minha música.
MV – Concordo com tudo o que ele disse. Ele estando em Cabo Verde e eu em Portugal, mas com praticamente as mesmas influências. Depois o que trazemos às influências são as nossas vivências. O Paulinho Vieira, o Orlando Pantera foram loucos na altura deles. Hoje é uma música boa, mas que acaba por ser normalizada. O importante é que deixaram um legado. As minhas influências são estas, super assumidas. E tento sempre homenageá-las através da minha música, seja em sample, seja através da composição. Por outro lado, não quero soar igual ao gajo de que gosto.
Não estou aqui a hastear a bandeira da nova música africana ou do funaná. Talvez seja uma ponte do que são as minhas influências, portanto, se quiseres ouvir mesmo as origens eu ajudo-te e vamos ao Coqueiro ouvir da fonte.
Mas isto é tudo uma fase em construção, nada é estanque. Samplo muitas cenas da África do Sul. Músicas mais antigas e anticoloniais, mas também não entro numa cena de apropriação porque sei que a minha realidade não é aquela – assumo essas influências! Isto para dizer que não é obrigatório ter esta bandeira de Cabo Verde ou do funaná. Existem várias camadas na construção da música. Por exemplo, Cachupa Psicadélica representa várias pessoas, lembro-me do Bilan, do Dana’s,  da Danae, todos têm o mesmo mindset. Do meu lado consigo apontar para uns quantos que partilham a mesma vibe. É isso que tento representar, alguém que nos anos 90 andava de skate, e ouvia Suicidal Tendencies e que ao sábado tinha que trabalhar no campo para apanhar peras. Mas isto é tudo fluido e existem várias formas de abordar as culturas sem entrar numa cena de apropriação cultural,  tem de haver uma certa profundidade.
YT – Bandeiras e estandartes são elementos recorrentes no teu trabalho. Como é que te relacionas com a questão da identidade como lugar de pertença?
ARA  – Já saí de Portugal há 18 anos. Passei pela Holanda, Noruega. Isso da identidade é uma coisa volátil. Acho que não assumo uma identidade definida.Em relação ao meu trabalho com os estandartes, é sobre processos de reinvenção. Surgem como redefinições. O projecto chama-se An Ambitious Project Collapsing AKA The 5th Wheel. A ideia é mostrar modelos que são transversais a qualquer identidade ou que vivem dentro de uma zona cinzenta, e isso tem que ver com a minha experiência de vida, de não conseguir juntar Portugal à Noruega, e encontrar algum conforto nesse gap. Anteriormente a este projecto tinha os Mantras. É um projecto ongoing e que está ligado à sobrevivência, é sobre como tento sobreviver estando nesse espaço cinzento.
YT – Em contraste com esta zona cinzenta, existe também a ideia pouco clara (ou menos evidenciada) de música da periferia. Como vêem esse fluxo periferia-centro?
MV – Na verdade, toda a música urbana vem das periferias de Lisboa. Considero que o centro de Lisboa só tem as plataformas e a estruturas que fazem mexer a máquina.  Este fenómeno das músicas da periferia faz-me lembrar a apropriação feita pelos escravos negros do carnaval da Baía nos anos 30 , que até a altura era dominada pela corte brasileira . Essa presença causou um choque por causa do exótismo, dos corpos despidos e das danças viscerais. Lisboa tem sido um dos embriões da considerada nova cena musical, por causa da periferia e não apesar dela! A malta da Príncipe Discos, a malta da Buraca, Enchufada, etc. E na verdade, não é música de Lisboa, é de outras cidades e regiões, pontos de fora do núcleo que é Lisboa, fora do CCB, do TBA ou da Culturgest. E, se calhar, era impensável há 10 anos Scúru Fitchádu  ou Cachupa apresentarem um espetáculo num teatro municipal no centro de Lisboa.

L –  Eu, periferia!(?) Eu nasci na rua central da minha ilha. A periferia acaba sempre por ser periférico a outra coisa e o facto de ser estranho nós ocuparmos este espaço torna-se uma questão de espaço mental.

Quarto Escuro, Panela Quente é um projeto que reúne três criadores que, em diferentes épocas, atravessaram um dos maiores hubs criativos nacionais por excelência, as Caldas da Rainha.  Juntos, propõem para o TBA uma atmosfera de formas opostas que se atraem por via de poesia, violência e de imagens-símbolo. Melodia e bravura que revelam uma destreza na manipulação das formas de psicadelismos e do punk, em intersecção com a morna, coladera e funaná.

Cachupa Psicadélica e Scúru Fitchádu são comparsas acima de tudo. E são expoentes representativos da geração dos 1980 cabo-verdiana. Lula’s é mindelense até à medula – foi adolescente num São Vicente com sabor a Seattle, em contramão da virtuosa morna e com uma guitarra elétrica nas mãos. Scúru é afrodescendente criado entre a dicotomia social da distorção anglo-saxónica e as linhas percussivas de África. A partir do seu arquivo mental de referências e vivências, incorpora uma atitude visceral sob uma base Afro-futurista e urbana em catarse. A esta cumplicidade, une-se Ana Rita António, artista visual, com provas dadas dentro e fora de portas, e cujo trabalho oscila entre as artes plásticas e o design num sagaz questionamento da funcionalidade dos objetos. Figura essencial que fecha este triângulo com uma presença visual inspiradora e disruptiva.

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