Performance in an Age of Precarity
01 Novembro
segunda 1 novembro 18h
Conferência
Sala Zoom TBA e streaming disponível no próprio dia em teatrodobairroalto.pt
Em inglês sem tradução
Apoio: Centro de Estudos de Teatro da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (o CET é financiado por fundos nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito dos projetos «UIDB/00279/2020» e «UIDP/00279/2020)
Maddy Costa trabalha em teatro e à volta dele de formas diferentes, tais como dramaturgista, investigadora, mentora, moderadora de conversas, (amiga) crítica e escritora. Como dramaturgista trabalhou com Selina Thompson, Paula Varjack, Rosie Elnile e Jamal Gerald. Publicou textos sobre teatro online na revista Exeunt e no seu próprio blog, slow fade. É cofundadora e comoderadora de Something Other e do Department of Feminist Conversations, plataformas interligadas e dedicadas à escrita experimental, ao diálogo e ao pensamento crítico. Da sua escrita sobre arte participativa e comunitária fazem parte um estudo sobre Gold Nose of Green Ginger de Joshua Sofaer, uma História de Hoxton Hall nos anos 1970 e 80 e um ensaio sobre o Theatre Club, o grupo de discussão informal que modera desde 2012.
Andy Field é um artista, escritor e curador sediado em Londres. Criou espetáculos sozinho e com múltiplos colaboradores desde 2007. Andy cria projetos formalmente incomuns que nos convidam a refletir tanto sobre os espaços que habitamos como sobre as pessoas que nos rodeiam. Uma linha fundamental da sua prática é o trabalho em colaboração com pessoas mais novas, procurando capacitar crianças para participarem de forma significativa no discurso cívico das cidades em que vivem (um exemplo é Lookout, que o TBA apresentou em 2019). Para além da sua prática artística, Andy escreveu para uma série de publicações e é codiretor do projeto liderado por artistas Forest Fringe. Em 2012 terminou um doutoramento de base prática sobre o uso do espaço público nos movimentos de performance nova-iorquina nos anos 1960 e 70.
Alexandrina Hemsley and Jamila Johnson-Small
demasiado complexo para caber numa só imagem / demasiado complexo para reduzir a um só movimento, uma só cena
assinalar ou não a diferença entre
na comunicação de Voodoo, Jamila Johnson-Small e Alexandrina Hemsley falam da “responsabilidade de ser um sujeito individual que é também um símbolo de muita gente perseguida há muito”
afastar-se mas a tensão é /
a sua colaboração é múltipla / contém multidões / habitam e insistem na multiplicidade de serem bailarinas que também escrevem que também fazem filmes que também expõem que também que também que também / dançam como se não houvesse diferença entre o palco e a discoteca e a festa
dançar como se não houvesse diferença
diferenças múltiplas, codificadas na pele e nos membros, as curvas e aberturas do corpo
multidões demasiado complexas para caberem numa só imagem
/ tal como não havia uma só versão de Voodoo, aquela peça sempre em fluxo, cada uma das três versões diferentes que vi uma tentativa de reconfigurar a dinâmica de poder entre performer (negra) performer (mestiça) e público (na maioria branco), uma dinâmica de poder apanhada numa rede de pesca suspensa sobre o palco, onde se espalhavam ossinhos vidas perdidas / e o desfilar de datas e acontecimentos expondo em detalhe o racismo e a perseguição de pessoas negras horas e meses e décadas e séculos disto
alimentando Black Holes, a colaboração de Alexandrina com Seke Chimutengwende, a maneira como brincava com as palavras dark matter [matéria escura]
matéria
escura
este assunto
esta pele ou a sua percepção
que escuridão importa
o que importa
importa quando a Alexandrina é apalpada por alguém convidado apenas a aplicar-lhe tinta no corpo em O / importa quando um crítico (branco, masculino) de SWAGGA descreve a performer Kay Hyatt como uma “lésbica corpulenta e combativa” e a Alexandrina tem de lhe enviar um, dois pacientes emails a explicar que as palavras carregam estereótipos carregam equívocos carregam insultos (também importa quando ele ouve e pede ao seu editor que substitua a palavra “lésbica” por “performer”)
/ importa quando a Alexandrina começa a questionar a palavra holístico e descobre que foi cunhada por um homem branco que aprovava a segregação / importa quando uma só imagem é isolada enquanto símbolo representativo de uma obra sempre em transformação
entre movimento texto dança imagem coreografia colaboradoras mentes
matéria
matéria escura
mentes em transformação
importa-nos que a sociedade seja assim que a cultura seja assim que até o pequeno mundo da performance em que nos movemos seja assim / importa-nos o uso de nós / importa-nos lemos absorvemos pensamos e rimos r i m o s em O quando membros ágeis se contorcem ao ritmo de “Ima Read” de Zebra Katz, tirando o tapete a uma pilha de livros / vejo clássicos feministas / vejo Simone de Beauvoir
e ao escrever isto a leitura trocista de “Self” de Noname: vieste cá com os teus olhos objectificadores? queres ver o que a rata dela andou a fazer/
/
/
/
e isto é tudo demasiado complexo para caber numa só imagem
e no entanto esta imagem, incandescente:
Jamila — actuando como Last Yearz Interesting Negro — tenta avançar. Os seus braços movem-se (dançam), as suas pernas movem-se (para a frente / dançam), a sua mente move-se ( / ), mas tem o corpo atado por uma grossa corda elástica e não importa quão longe tenta ir (em frente / ), inclinando-se contra o /
contra o /
contra o /
retém-na. A corda retém-na. A corda e tudo o que ela representa retêm-na. E a tensão é visível. A tensão na corda, retesada, apertada, segurando. A tensão no corpo / braços / pernas o corpo inclinado para a frente com a energia de tentar mover-se, esforçando-se por se mover, m o v e r mas ela não consegue. Presa / trancada / por um momento apenas / sem forma de fugir ao controlo de
/ quebra /
esta tensão.
Maddy Costa
Leituras suplementares
A Contemporary Struggle, publicado pela Live Art Development Agency
alexandrinahemsley.com
jamilajohnsonsmall.wordpress.com
Forced Entertainment
1
Eu vi alguns espectáculos dos Forced Entertainment
Entre 2007 e 2013 vi todos os espectáculos feitos pela companhia de teatro Forced Entertainment. Em salas-estúdio e câmaras municipais e até mesmo por streaming, vi tudo o que podia. Vi mais espectáculos dos Forced Entertainment do que de qualquer outra companhia.
2
Todos os espectáculos dos Forced Entertainment que eu não vi
Jessica in the Room of Lights (1984)
Jessica in the Room of Lights estreou em Sheffield a 14 de Dezembro de 1984. Eu na altura vivia em Stockport, apenas a uma hora de distância. Tinha 352 dias de idade. No espectáculo combinam-se elementos díspares de maneiras novas e inesperadas. Há o crepitar de gravadores de cassetes, as paisagens sonoras de John Avery silvam e zumbem e a sala é iluminada por lâmpadas nuas com uma abrasiva falta de teatralidade. Tudo isto se passa num preto-e-branco desbotado e pré-digital; um espectáculo montado a partir de instantâneos tremidos e impressões desfocadas. Tenho o cabelo preto mas não vai ficar assim.
200% and Bloody Thirsty (1987)
Na fotografia estão três performers semi-nus deitados numa cama rodeada por montanhas de roupa atirada, como se uma orgia de metamorfose tivesse acabado de atingir a sua suada conclusão, uma correria febril através de uma galeria forense de personagens esboçadas à pressa mas dolorosamente familiares. Os três performers têm um ar jovem e algo intimidante, partilhando do vestígio de ameaça implícito no nome da companhia. Ao fundo num letreiro de néon pode ler-se 200% AND BLOODY THIRSTY, o que a meu ver faz sentido porque se eu tivesse arranjado um título assim tão bom também o pendurava por cima do palco em grandes letras iluminadas.
Emmanuel Enchanted (1992)
Mais figurinos e mais personagens, as suas descrições desta vez desenhadas em placas de cartão pintadas à mão. Estas personagens tanto podem ser familiares como estranhas, cómicas ou lancinantemente tristes, fazendo na sua multiplicidade aparecer uma versão do mundo inquieta e vertiginosamente expansiva; o retrato de um tempo e de um lugar que é menos como o mundo delimitado do teatro e mais como a experiência de demasiadas horas de olhos vermelhos a fazer zapping às tantas da noite na escuridão insone. Estas personagens são aquilo que mais de perto associo a estes anos iniciais e não-vividos dos Forced Entertainment e a coisa que de forma mais flagrante e não-intencional lhes roubei, povoando um dos meus primeiros espectáculos sobre filmes-catástrofe com uma colagem de pessoas imaginadas inquietantemente parecida, cada uma com o seu nome perfeitamente impresso numa ficha branca. Um homem a passear um cão. Coitada da Sharon. Um padre com tesão. Geronimo. Um motorista sexista. Uma mulher a tirar pastilha elástica do cabelo. Um homem a tentar desenvencilhar-se de um caso tórrido. Kevin (à procura das chaves). O último fã de Neil Diamond do mundo. Uma mulher que mal se lembra do seu nome. Um aspirante a artista apanhado por acaso num plágio evidente.
Club of No Regrets (1993)
Estamos no Verão de 1993, a minha família e eu viemos aos estúdios da Universal na Flórida e é o sítio mais encantatório onde jamais estive. O ar é espesso e tem a doçura das pipocas. Perco-me numa fantasmagoria de glamour sentimental de Hollywood: A silhueta de Nova Iorque recortada e pintada em cinzentos de aço, um tubarão de Amity Island em fibra de carbono pendurado de mandíbulas para baixo numa forca de madeira, a Marylin Monroe e os Blues Brothers a sorrir e a acenar e a dar autógrafos; até fico espantado com a calçada de São Francisco. É como deslizar temporariamente para um mundo a que não pertenço, e ao mesmo tempo claro que não é. Ele é deliberadamente irreal, e isso faz parte do seu encanto; a sedutora bidimensionalidade daquela Nova Iorque recortada, a forma como a calçada termina abruptamente, substituída pelo asfalto regulamentar do parque de atracções. Empolga-me da mesma forma que uma pintura inacabada ou perceber como se faz um truque de magia. Mesmo agora é difícil saber se estou mais apaixonado pela América a fingir e impossivelmente romântica que o cinema imagina ou pelo aparato criador de fantasias que a produz.
Speak Bitterness (1994)
O palco é uma mesa comprida, suficientemente comprida para que sete ou oito pessoas se possam sentar atrás dela como que dispostas para uma conferência de imprensa, e ao longo do tampo da mesa estão centenas de folhas de papel. Tanto papel, tantas palavras, como é costume na obra dos Forced Entertainment. Sem fim e sem princípio, apenas variações aparentemente infinitas de construções linguísticas simples; uma litania de confissões, uma longa lista de perguntas, milhares de “no futuros” ou “era uma vezes”. Faz-me pensar no texto de Allan Kaprow sobre o legado de Jackson Pollock, como a sua pintura se recusava a admitir a presença de sentido ou de borda, parecendo ao invés estender-se para fora em todas as direcções bem para lá dos limites da tela visível. Os quatro lados da pintura são assim um abrupto abandono da actividade que as nossas imaginações prolongam indefinidamente para fora, como se se recusassem a aceitar a artificialidade do “fim”. Estive mais de uma vez num espectáculo dos Forced Entertainment que achei que podia não acabar nunca, qualquer aparência de um arco narrativo satisfatório arrasada por uma espécie de lógica televisiva implacável; um mundo teatral tão interminável e repetitivo, tão vasto e cómico e por vezes insuportável como a própria vida.
Nights in This City (1995)
Atravessamos uma cidade de autocarro à noite. Pode ser Sheffield em 1995, mas também pode ser Londres em 2010. Este podia ser um espectáculo dos Forced Entertainment ou a ideia para um, seja como for não é claro quem está a conduzir, ou para onde vais. Lá fora as ruas desdobram-se como uma frase interminável, uma história que nunca acaba feita de átrios de vidro, lojas de bebidas encerradas e takeaways abertos até tarde, mas daqui parece tudo demasiado sossegado e pacífico para ser inteiramente real. Esta qualidade de estranhamento de parque de atracções é acentuada pelas vozes nos teus ouvidos, impassivas, imperscrutáveis, descrevendo um lugar que parece ao mesmo tempo loucamente imaginário e aborrecidamente real; parecem inebriadas, ou talvez apenas confusas, gritando para o chuvisco à luz âmbar da cidade desinteressada, pedindo algo que ela não lhes pode dar. Passa-se por uma ou outra pessoa na rua, algumas das quais parecem voltar-se lentamente para te olharem nos olhos enquanto te afastas. Têm todas um ar inquietantemente perfeito, como se se movessem entre aspas. A cidade estremece, como se até a exposição a estas quantidades vestigiais de irrealidade a pudessem obrigar a desfazer-se e refazer-se. Ainda não é claro de quem é este espectáculo, em que cidade estás ou mesmo que ano é este. Mas Não será essa a definição do ao-vivo pergunta o Tim quando os guias se contorcem nervosamente ou parecem estar perdidos? Onde a travessia em segurança de volta ao quotidiano já não está garantida?
Showtime (1996)
A palavra “deadpan” [cara de pau] apareceu pela primeira vez impressa no New York Times em 1928, usada para se referir a Buster Keaton, embora a utilização despreocupada do termo deixe adivinhar que por esta altura já se tratava de linguagem corrente. Talvez saibam isto, mas “pan” em gíria teatral queria dizer cara e portanto um “dead pan” era uma cara aparentemente sem vida ou sentimentos — sem expressão, impassiva. É, de forma bastante literal, uma cara assombrada pela morte. Uma cara onde o crânio já começa a transparecer, como os desafortunados esqueletos que apareceram na obra dos Forced Entertainment em mais do que uma ocasião. É um lembrete (como se precisássemos) de que o humor traz sempre a cintilação da morte, ou talvez de que a morte traz a cintilação do riso. Um homem de tronco nu, segurando entranhas de esparguete em lata junto ao abdómen, expirando lentamente ao longo de cerca de uma hora.
Pleasure (1997)
Fecho os olhos e ouço Forced Entertainment na cabeça, aquela cadência partilhada e inconfundível; impassiva, opaca, eles próprios e não eles próprios, simultaneamente investidos nas palavras que dizem e nas histórias que contam, mas também sempre conscientes da descartabilidade daquelas palavras, e do seu artifício; sempre prontos num momento para demolir e deitar fora as ficções que pacientemente construíram, como um gato a partir repentinamente ao meio o rato com que esteve a brincar na última hora. O prazer da criação e o prazer da destruição. Histórias para a era nuclear.
Andy Field
Continuando a proposta de dar a conhecer estudos singulares sobre episódios-chave do experimentalismo nas artes performativas entre a década de 1960 e hoje, esta série está estruturada de forma transnacional e aborda vários contextos, procurando interrogar contaminações dramatúrgicas e estéticas. Neste âmbito, têm lugar na sala Zoom do TBA três conferências em que o presente e o passado se articulam conjuntamente, seja por via de um reenactment de uma performance que é um marco histórico no experimentalismo jugoslavo como propõe Janez Jansa na revisitação do que foi o seu trabalho na remontagem de Pupilija, papa Pupilčki and the Pupilceks originalmente de 1969 e reconstruída em 2006; seja na via de um mapeamento da criação experimental britânica contemporânea sob o signo da precariedade, como fazem Maddy Costa e Andy Field na obra Performance in a Age of Precarity.
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Performance in an Age of Precarity de Maddy Costa e Andy Field é uma antologia de ensaios que procura esboçar um mapa da paisagem da performance contemporânea britânica no período entre a crise financeira de 2008 e a pandemia de 2020. Os ensaios focam-se em artistas particulares, tais como Alexandrina Hemsley & Jamila Johnson-Small, Dickie Beau, Scottee ou Selina Thompson, e vários nomes conhecidos do público lisboeta como Forced Entertainment, Tania El Khoury, Action Hero, Deborah Pearson e Tim Crouch. Estes ensaios, que podem ser poéticos, autobiográficos, analíticos ou discursivos, aspiram a imaginar um novo vocabulário para falar e pensar sobre a radicalidade da performance ao vivo.
Por mapear um momento significativo do experimentalismo contemporâneo, esta conversa integra-se na série Histórias do Experimental do TBA; por ser sobre um livro, poderia fazer parte das Práticas de Leitura; e porque vamos falar de artistas e espetáculos com uma das criadoras do Theatre Club, que nos inspirou na criação do nosso Clube Espectador, não deixa de ser também um encontro com esse nome.