O Palácio
Conceção e Direção Paula Diogo e Lígia Soares
Criação Paula Diogo, Lígia Soares, Crista Alfaiate e Diogo Alvim
Interpretação Paula Diogo, Lígia Soares e Crista Alfaiate
Música e Sonoplastia Diogo Alvim
Desenho de Luz Rui Monteiro
Assistência Desenho de Luz Teresa Antunes
Cenografia Fernando Ribeiro e Saulo Santos
Pesquisa jurídica e Acompanhamento ONGD André Studer
Direção de produção Daniela Ribeiro
Produção Má-Criação
Coprodução Teatro do Bairro Alto
Residência de coprodução O Espaço do Tempo, 23 Milhas, Alkantara
Apoio financeiro GDA – Gestão dos Direitos dos Artistas
Apoio ao desenvolvimento do projeto República Portuguesa – Cultura / Direção Geral das Artes
Apoio não-financeiro Câmara Municipal de Lisboa
A Má-Criação é uma estrutura apoiada pela Câmara Municipal de Lisboa e acolhida pelo Alkantara
Paula Diogo é uma artista apoiada pela apap – FEMINIST FUTURES, um projeto cofinanciado pelo Programa Europa Criativa da União Europeia
Fotografia promocional João Tuna
Fotografias de cena Vera Marmelo
Parcerias ONG AMI – Centros Porta Amiga (Lisboa), APF – Associação para o Planeamento da Família (Lisboa), AMU – Acção para um Mundo Unido (Abrigada), Associação ILGA Portugal – Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual, Trans e Intersexo (Lisboa), Associação Helpo (Cascais), Casa do Gaiato (Loures), Centro Social Paroquial do Pragal, Cretcheu (Almada), EAPN Portugal – Rede Europeia Anti-Pobreza (Lisboa e Porto), Entrajuda (Lisboa), Pastoral dos Ciganos (Lisboa), Rosto Solidário (Santa Maria da Feira), SOPRO – Solidariedade e Promoção (Barcelos), WACT – we are changing together
Agradecimentos: Alex Cassal, Andresa Soares, Bibi Dória, Carlos Alves, Gabinete de Gestão Administrativa e Aprovisionamento da EGEAC: Gustavo Pinto e João Almeida, Direção-Geral das Artes, IPP Ibéria, Márcia Lança, Maria do Céu Carvalho, Nuno Loio, Patrícia Fernandes (IPP Ibéria), Pedro Soares, Piscina, Rogério Fonseca (CML), Sónia Baptista
Pessoas que doaram bens: Ana Costa, Ana Maria Alfaiate, Ana Martins, Ana Palma Viegas, Beatriz Vasconcelos, Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Ramos, Catarina Barroso, Carina Furtado Rodrigues, Cátia Nunes, Chapitô, Cláudio Oliveira, Fátima Inácio, Francisco Torres, Inês Pereira, Isabel Mões, Joana e Cátia Bértholo, Madalena Mota, Mafalda Sande, Mara Sé, Mariana Vieira, Margarida Ferra, Marta Azenha, Marta Guerreiro, Miguel Antunes, Mónica Talina, Raja Litwinoff, Rita Taborda Duarte, Rita Gomes, Rita Prata, Rita Sá, Rogério Fonseca, Roxana Lugojan, Sara Pais, Susana Domingos Gaspar, Susana Leite Sousa, Susana Pomba.
Biografias
Lígia Soares
Nasceu em Lisboa em 1978. Licenciada em dança pela Escola Superior de Dança de Lisboa. Começou a trabalhar como atriz em 1997 na Companhia de Teatro Sensurround dirigida por Lúcia Sigalho. Desde 1999 que cria peças da sua autoria ou em colaboração. O seu trabalho transita entre as disciplinas da dança, teatro ou performance. Tem sido apresentado nacional e internacionalmente (Portugal, Brasil, Alemanha, França, Noruega, Holanda, Sérvia e Croácia, entre outros). Entre 2004 e 2008 viveu em Berlim, onde foi artista residente da TanzFabrik-Berlin. Entre 2001 e 2014 foi, ao lado de Andresa Soares, diretora artística de Máquina Agradável. Desenvolveu também vários contextos de programação com outros artistas como o Demimonde, ou o Face-a-Face. Na sequência de trabalhos como Romance (2015), O Ato da Primavera ( 2017), Turning Backs (2016), Jogo de Lençóis (2019), prossegue uma pesquisa em dispositivos cénicos que incluem a presença do espectador como elemento constituinte da dramaturgia do espetáculo, incorporando ou substituindo o próprio papel de performer. É mentora em diversos programas de escrita para cena e colabora regularmente como dramaturgista em projetos de dança e teatro. As peças Romance, Cinderela, Civilização e Memorial estão editadas pela Douda Correria. Recebeu a bolsa de criação artística e literária da DGLAB em 2020.
ligiasoares.com
Paula Diogo
Nasceu em Lisboa em 1977. Atriz, performer e encenadora com um percurso marcado por processos colaborativos, dedicando-se à criação e à produção de objectos artísticos. Tem uma licenciatura em Teatro pela ESTC em Lisboa e um Mestrado em Artes Performativas pela Icelandic Academy of Arts. Cofundadora de várias companhias e coletivos tais como o Teatro Praga, TRUTA e O Pato Profissional, tem trabalhado ao longo dos anos com diversos artistas e companhias, nacionais e estrangeiros.
Mais recentemente fundou a Má-Criação, uma plataforma que reúne criadores de diferentes percursos e geografias e integra o coletivo Celestial Bodies, um novo projeto dedicado à abertura de espaços que integram práticas de solidariedade, cuidado, empatia e espanto. Paula Diogo é uma das artistas apoiadas pela apap – FEMINIST FUTURES um projeto cofinanciado pelo Programa Europa Criativa da União Europeia. Vive em Lisboa.
Crista Alfaiate
Nasceu em Lisboa em 1981. Inicia a sua formação artística no Grupo de Teatro Universitário de Letras com Ávila Costa e Workshop ON Performance com Patrícia Portela. Completa a formação em Commedia dell’Arte com Antonio Fava em Itália. Em 2004 termina o curso de Formação de Atores na Escola Superior de Teatro e Cinema. Completa os estudos na Stella Adler School of Acting em Nova Iorque. Em 2017 participa nos espetáculos We’re Gonna Be Alright com o Cão Solteiro e Selvageria de Filipe Hirsch em São Paulo. Integrou como atriz projetos com Jorge Andrade na Mala Voadora (Casa e Jardim), Miguel Loureiro e André Guedes (Nova Caledónia), Rogério de Carvalho (A Caça e Fedra), Jorge Silva Melo nos Artistas Unidos (Quarteto e Esta noite improvisa-se), Gonçalo Waddington (O nosso desporto preferido), João Brites e Teatro O Bando, João Pedro Vaz e Joana Providência, entre outros. Foi bolseira do Inov-Art em 2011, em Nova Iorque, com as companhias de Teatro Elevator Repair Service, Wooster Group e New York City Players. Participou no projecto europeu École des Maîtres em 2013, com Constanza Macras. Em 2014, criou o projeto para infância Lá Fora. Em 2016, criou Animenos com texto de Rita Taborda Duarte no Teatro Maria Matos. Participa em diferentes projectos musicais, como Oba Loba com Norberto Lobo, Secret Museum of Mankind, Cacique 97 e concerto de Tributo 100 Moondog no Teatro Maria Matos por Filipe Melo e João Lobo. No cinema destaca a sua participação nas longas metragens A espada e a Rosa de João Nicolau, 4 Copas de Manuel Mozos e As mil e uma noites de Miguel Gomes.
Diogo Alvim
Nasceu em Lisboa em 1979. Formou-se em arquitetura e composição em Lisboa, e em 2016 terminou um doutoramento em composição e artes sonoras no Sonic Arts Research Center da Queen’s University Belfast. A sua investigação explorou diferentes relações entre música e arquitetura. Leciona artes sonoras na Licenciatura e no Mestrado de Som e Imagem na ESAD (Caldas da Rainha) e é investigador integrado do CESEM, NOVA-FCSH. Colabora regularmente com artistas plásticos, sonoros, coreógrafos e encenadores. Apresentou trabalhos em vários contextos, tais como: Territórios Nómadas, NOVA-FCSH (com Joana Braga, 2022); Danças na Cidade – RTP/CNB (para peça de Tânia Carvalho, 2022); Festival Lisboa Soa (no Panteão Nacional) e Convento de S. Francisco em Coimbra (com Matilde Meireles, 2020); CNB com a Orquestra Sinfónica Portuguesa (S de Tânia Carvalho, 2018). Foi artista residente na Cité Internationale des Arts em Paris, no programa Chantiers d’Europe do Théâtre de la Ville (2018); CNEAI (Pantin, França, 2017, para peça de Ramiro Guerreiro); Sonorities Festival 2015 (com o Royal String Quartet); Belfast Festival 2014 (com Matilde Meireles); Museu de Arte Contemporânea (MAC-USP, Brasil, 2014); Goldsmiths University (Londres, 2013); Festival Synthèse 2009 (Bourges); Tribuna Internacional de Compositores (Unesco, Paris, 2009); Festival Música Portuguesa Hoje (CCB, 2008); Workshops da Orquestra Gulbenkian para Jovens Compositores (2008 e 2009).
diogoalvim.com
Rui Monteiro
Nasceu em Braga em 1988. Concluiu, em 2008, o curso de Iluminação na ACE – Escola de Artes.
Desenhador de luz que trabalhou com encenadores como Ana Luena, António Capelo, António Júlio, Robert Wilson, Baboo Liao, Catarina Vieira, Carlos Pimenta, Cláudia Lucas Chéu, Crista Alfaiate, Daniel Pinto, David Marques, Fernando Alves, Gintare Minelgaite, Joana Providência, João de Castro, João Paulo Costa, João dos Santos Martins, Jorge Andrade, Luciano Amarelo, Lígia Roque, Luísa Pinto, Luís Araújo, Marta Lapa, Marta Pazos, Mickaël de Oliveira, Miguel Loureiro, Nuno M. Cardoso, Pedro Almendra, Pedro Filipe Marques, Pedro Penim, Raquel André, Ricardo Alves, Sara Barbosa, Solange Freitas, Tiago Correia e Tiago Guedes. Neste momento, trabalha com o encenador Robert Wilson em projectos por vários países da Europa. Participante no Watermill Center Summer Program em Nova Iorque nos anos 2014, 2015 e 2016 com instalações de iluminação, juntamente com artistas de todo o mundo, entre os quais se destacam Jim Jarmusch, Cocorosie e Dimitris Papaioannou. Foi assistente de iluminação dos desenhadores de luz A. J. Weissbard, John Torres e Nuno Meira. Fundou a empresa de iluminação Visualight, onde trabalhou até ao ano de 2010. Lecionou a disciplina de iluminação na ACE – Escola de Artes e deu formações na área de design de iluminação no Teatro Faialense e no espaço Bruto. Na área da música, foi responsável pelos desenhos de luz das bandas Super Nada, Manel Cruz e Holy Nothing.
Fernando Ribeiro
Nasceu em Lisboa em 1976. É cenógrafo. Completou o bacharelato em Realização Plástica do Espectáculo e a licenciatura em Design de Cena (2008) na Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa. Na área do teatro, concebeu espaços cénicos para espetáculos dirigidos por Adriano Luz, Alberto Villareal, Ana Luísa Guimarães, Andrzej Sadowski, António Cabrita, António Durães, António Feio, António Fonseca, António Pires, Beatriz Batarda, Carla Maciel, Cláudia Gaiolas, Crista Alfaiate, Denis Bernard, Dinarte Branco, Fernando Moreira, Fernando Mota, Gonçalo Waddington, Inês Barahona, Joana Antunes, João de Brito, João Mota, João de Brito, Joaquim Horta, John Romão, José Carretas, José Pedro Gomes, José Wallenstein, Luís Assis, Manuela Pedroso, Manuel Coelho, Marco Martins, Marco Paiva, Marcos Barbosa, Maria João Luís, Marina Nabais, Marta Pazos, Miguel Fragata, Natália Luiza, Nuno Cardoso, Nuno M. Cardoso, Paula Diogo, Pedro Carraca, Pierre Woltz, Rita Blanco, Rogério Nuno Costa, São Castro, Sara Carinhas, Tiago Guedes, Tiago Rodrigues, Tim Carroll, Tónan Quito, Victor Hugo Pontes e Yaron Lifschitz. Em março de 2015 recebeu uma menção honrosa da Associação Portuguesa de Críticos de Teatro.
Saulo Santos
Nasceu em 1989 em São Paulo e reside em Lisboa desde 2017. Formado em Artes Plásticas com habilitação em Multimídia e Intermídia pela Universidade de São Paulo, acumulou três bolsas de iniciação científica e integrou por três anos um grupo de pesquisa com enfoque em arte, ciência e tecnologia. Ainda na faculdade concluiu as aulas de Cenografia e Figurino do curso de Artes Cénicas. Frequentou, também, o curso Técnicas de Palco na SP Escola de Teatro. Em 2015 cocria o Ateliê Russo, responsável pela conceção, execução e operação de cenografias de espetáculos de diversas naturezas. Ainda no Brasil publica duas histórias em quadrinhos e ilustra um livro. Com sua produção artística, já participou de inúmeras exposições coletivas no Brasil, Portugal, Alemanha, Polónia, Rússia, Itália, Ucrânia, Equador e Turquia, apresentando pinturas, ilustrações, instalações e performances.
André Studer Ferreira
Nasceu em Lisboa em 1973. Viveu até aos 14 anos na Costa Rica e na Suíça. Exerce advocacia na área social há 25 anos, sendo pós-graduado em Direitos Humanos e Democracia. Inicia o seu percurso na sociedade civil em 1999 no SOS Racismo, onde foi ativo durante 10 anos. Em 2006 juntou-se ao colectivo Direito à Habitação, colaborando predominantemente nos bairros de auto-construção, originando 10 anos depois a associação Habita. Integrou em 2007 a lista da primeira candidatura à CML pelos Cidadãos por Lisboa. Desde 2007 é membro do GAIA – Grupo de Acção e Intervenção Ambiental, no Centro Social da Mouraria e depois em Alfama. Integra o Centro de Cultura Libertária desde 2015. É coprodutor na AMAP (Associação para a Manutenção de uma Agricultura de Proximidade) de Palmela. Participa nos colectivos Rede de Apoio Mútuo e Minas Não.
João Tuna
Nasceu em Lisboa em 1967. Fotógrafo e realizador. Estudou fotografia, cinema e dramaturgia na escola artística António Arroio, na Escola Superior de Teatro e Cinema e na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Iniciou em 1990 o seu percurso na área da fotografia, dedicando-se em exclusivo ao retrato e à fotografia de cena para teatro ou cinema. Realizou várias curtas-metragens, filmes institucionais e versões-filme de espectáculos de teatro; escreveu argumentos e peças de teatro. Em 2012 foi distinguido pela Associação Portuguesa de Críticos de Teatro pela sua carreira enquanto fotógrafo de teatro.
Daniela Ribeiro
Nasceu no Porto em 1980. Estudou Psicologia na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto e frequentou o curso de Realização da Restart – Escola de Criatividade e Novas Tecnologias. Acumulou experiência numa variedade de áreas, das quais destaca a produção de documentários na Andar Filmes e a assessoria de comunicação na ONG Médicos do Mundo. Entre 2008 e 2017 foi responsável pela comunicação e coordenação de produção da programação apresentada pela Galeria Zé dos Bois e, desde 2016, coordena o RAMA EM FLOR, um festival comunitário feminista e queer. Entre 2018 e 2019 colaborou, enquanto produtora independente, com diversos artistas e estruturas independentes, como teatro meia volta e depois à esquerda quando eu disser, Alex Cassal, Alfredo Martins, Andresa Soares, Márcia Lança, Mariana Tengner Barros, Paula Diogo e Rita Vilhena, entre outros. Entre janeiro de 2020 e março de 2022 foi diretora de produção do Teatro Praga. Atualmente integra a equipa de produção da Má-Criação.
Má-Criação Associação Cultural
A Má-Criação Associação Cultural é uma estrutura sediada em Lisboa, criada por um grupo informal de artistas responsáveis pelos projetos Masako Point – Projecto 101 (2008) e Learning to Swim (2010). Formalizada como Associação Cultural em 2015, a estrutura acolhe e produz neste momento os trabalhos de Paula Diogo e Alex Cassal, mantendo uma relação de proximidade com um núcleo de artistas regulares. Assume-se ainda como uma plataforma de produção para artistas interessados em criar pontes com projetos e criadores de outros contextos culturais, artísticos e geográficos, com uma forte componente autoral e assentes em processos de pesquisa e colaboração.
O que fazer quando o Mundo começa a desmoronar-se? Eu vou dar um passeio e, se tiver sorte, encontro cogumelos. Os cogumelos fazem-me regressar aos meus sentidos, não somente como as flores devido às suas cores e cheiros, mas porque eles surgem inesperadamente, lembrando-me da boa fortuna de estarem ali por acaso. O terror existe, claro está, não só para mim. O clima do planeta está a ficar fora de controlo e o progresso industrial tem provado ser muito mais mortífero para a vida na Terra do que poderíamos imaginar há um século atrás. A economia já não é uma fonte de crescimento e otimismo (…). A precariedade continua a ser a sorte dos menos privilegiados. (…) Este livro fala das minhas viagens à procura de cogumelos para explorar a indeterminação e as condições de precariedade, isto é, a vida sem a promessa de estabilidade.
Anna Lowenhaupt Tsing, The Mushroom at the End of the World: On the Possibility of Life in Capitalist Ruins, 2015
Se a “cultura” é um bem imaterial, o que fazer com o desperdício de materiais na criação de cenários? Decidimos investigar como libertar a criação artística da aquisição de bens perenes para uma atividade de carácter temporário, procurando a significação do tempo em que as coisas úteis se tornam inúteis.
Com O Palácio partimos de uma ação de angariação e redistribuição de bens para converter o Teatro do Bairro Alto num espaço de armazenamento temporário — um depósito — e o espetáculo no usufruto desse momento em que as coisas já não são necessárias e ainda não foram reencaminhadas para poderem voltar a ser úteis.
Apesar de oferecermos ao público um espaço atulhado de bens acumulados em casas como sinais de sedentarismo, o espetáculo visa conduzi-lo à errância, convidando-o a vaguear ou a escolher onde descansar. A sua atenção irá, qual respigador em férteis bosques, oscilar entre o detalhe e a paisagem. Tal como quando precisamos de abrir um pacote de bolachas para as comermos uma a uma e depois olhamos esse mar onde o pacote há-de ir parar um dia.
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O Palácio começou por ser Wondergound, palavra inventada que remete para um sítio maravilhoso que se esconde por baixo de um amontoado de tralha; e também para um lugar marginal (lixeiras, aterros, sucatas) e ainda, se criarmos um desvio fonético perfeitamente plausível em português, temos “wanderground” que deriva para um terreno sem orientação definida, um terreno para vaguear. Perante o vaguear da humanidade, uma das nossas perguntas já não é “onde é que iremos parar?” mas “onde é que irá parar o chão que pisamos?” Deste modo, este projeto, que entretanto se tornou um palácio, insere-se também numa vocação que visa a reflexão política e a ação social sob uma forma concreta de reciclagem e reencaminhamento de bens.
Outro foco da pesquisa esteve nas questões do tratamento do lixo como reflexo de uma economia global. A globalização do lixo é inversamente proporcional à distribuição da riqueza, criando países que produzem lixo e países que o recebem. Estaremos simultaneamente mais atentas ao significado de toda a cadeia criada pela atividade artística, desde a produção (criação) ao consumo (apresentação) e excreção (desmontagem), testando os limites das artes performativas e promovendo a sua intervenção nos aspetos sociais e políticos da realidade.
Ao investigar sobre os aspetos de aquisição e acumulação, tentamos olhar de uma perspetiva futura em que, ameaçados por uma mudança radical de vida, possamos realmente desejar a mudança.
Quando planeava o livro que acabou conhecido como Three Guineas, Virginia Woolf escreveu um título no seu bloco de notas: “Glossário”; tinha pensado em reinventar o inglês de acordo com um novo plano, de modo a contar uma história diferente. Uma das entradas neste glossário é “heroísmo”, definido como “garrafismo” [No original “botulism” (N.T.)]. E herói, no dicionário de Woolf, é “garrafa”. O herói como garrafa – uma rigorosa reavaliação. Proponho agora a garrafa como herói. Não apenas a garrafa de gin ou de vinho, mas a garrafa no seu sentido mais antigo, de contentor em geral, de coisa que guarda outra.
Ursula K. Le Guin (1986), A Ficção Como Cesta: Uma Teoria e Outros Textos. Lisboa: Dois Dias, 2022 (Trad. Sofia Gonçalves)
Legendas:
Posse é o poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício de direito de propriedade ou de outro direito real.
Tem sido discutida a posse sobre universalidade, ou seja, conjuntos de bens ligados pelo seu destino ou circunstância.
Em qualquer caso, a posse não poderá naturalmente prescindir de um controlo material sobre a coisa.
Como é sabido, os direitos reais costumam ser divididos em três categorias díspares: de gozo, de aquisição e de garantia.
Nenhuma dúvida existe em relação aos direitos reais de gozo que se encontram previstos no Código Civil.
Na concepção subjetivista, presumir-se-á posse naquilo que exerce poder de facto sobre a coisa, ou seja, presume-se a existência de animus.
A ausência deste derradeiro pressuposto faz desqualificar a natureza do domínio, traduzindo-se então numa mera detenção.
Detenção – posse em nome alheio – será consequentemente a situação em que o corpus não é acompanhado pelo animus indispensável.
A posse cede perante os demais direitos reais de gozo, pelo que não é tutelada com a mesma intensidade.
A posse não teria a inerência, nem sequer a sequela.
A posse não onera qualquer direito real.
A posse tanto pode ser exercida pessoalmente como por intermédio de outrem.
O depositário será possuidor em nome do depositante.
O comodante possui por intermédio do comodatário.
O usufrutuário é possuidor relativamente ao seu direito de usufruto, mas apenas possuidor em nome alheio do verdadeiro possuidor.
O mero detentor não pode ser possuidor.
Não apresenta o modus possidendis.
Posse pacífica é a que foi adquirida sem violência.
Posse pública é aquela que se exerce de modo a poder ser conhecida pelos interessados.
A posse deverá ser considerada oculta ou clandestina sempre que é exercida de modo a não poder ser conhecida pelos interessados.
A posse não tem de ser pública.
A posse oculta não deixa de ser posse.
A posse violenta não deixa de ser posse.
A lei não permite dúvidas a este entendimento.
Assim, o simples ato de encontrar um objeto perdido no chão e guardá-lo, parece ser suficiente para permitir o apossamento.
O apossamento de coisas imóveis parece mais complexo.
Não será suficiente uma ou duas passagens sobre prédio vizinho, a colheita de alguns frutos, a pernoita de duas ou três noites.
No entanto, o entendimento atual e dominante coloca a tónica na intensidade, e não tanto na repetição.
Podem ser adquiridos por ocupação os animais e as coisas móveis que nunca tiveram dono, ou foram abandonados, perdidos ou escondidos pelos seus proprietários.
O proprietário do enxame de abelhas tem o direito de o perseguir ou capturar em prédio alheio, mas é responsável pelos danos que causar.
Podem adquirir posse todos os que têm uso da razão, e ainda os que o não têm.
H.S. Antunes, Comentário ao Código Civil – Direito das Coisas. Lisboa: Universidade Católica Editora, 2021