O Lugar do Meio-Dia
14 - 18 Dezembro
14 a 18 dezembro
terça a sábado 19h30
CLUBE ESPECTADOR
CANCELADO
17 dez após o espetáculo
Contrariamente ao que foi anunciado, informamos que a sessão de hoje de Clube Espectador foi cancelada por motivos de saúde.
Díptico "Caminho para a Meia-Noite"
07 - 12 Outubro
Noite Fechada
14 - 18 Dezembro
O Lugar do Meio-Dia
Classificação Etária:
M/18Direção Mónica Calle Texto a partir de obras de Fiama Hasse Pais Brandão, Shakespeare, Tchekhov, Euripedes e Wagner Coautoria e interpretação Mónica Garnel, Inês Vaz Interpretação Guilherme Barroso, José Miguel Vitorino, Laura Garcia, Luís El Gris Desenho de luz Daniel Worm
Cenografia Nadir Bonaccorso
Direção de produção Sérgio Azevedo Produção executiva Gabriel LapasMontagem de cenário Michele Eversham, Francisco Barahona e Pietro Anselmi
Produção Casa Conveniente/Zona Não Vigiada Coprodução Teatro do Bairro Alto Residência artística Comédias do Minho Fotografia Alípio Padilha Casa Conveniente/Zona Não Vigiada é uma estrutura financiada por República Portuguesa – Cultura | Direção-Geral das Artes
Agradecimentos Cerveja Musa, Bar Bicanela, Vinhos DUPÓ, Orquestra de Câmara Portuguesa, Águas do Vimeiro, Câmara Municipal de Lisboa, São Luiz Teatro Municipal
Na sequência das novas medidas de combate à Covid-19, o acesso aos eventos do TBA a partir de 1 dezembro 2021 passa a estar condicionado à apresentação de Certificado Digital Covid da EU nas modalidades:
• Vacinação completa;
• Testagem (antigénio nas últimas 48h ou PCR nas últimas 72h);
• ou Recuperação (há mais de 11 dias e menos de 180 dias).
Não são admitidos autotestes.
Crianças até 12 anos estão dispensadas de apresentação de Certificado Digital Covid da UE. Crianças a partir dos 12 anos estão sujeitas às mesmas regras dos adultos.
Condições de acesso
• Haverá medição de temperatura sem registo à entrada do espaço. É obrigatório o uso de máscara dentro do edifício antes, durante e depois das sessões
• Desinfete as mãos e adote as medidas de etiqueta respiratória
• Mantenha a distância de segurança e evite o aglomerar de pessoas
• Traga o seu bilhete de casa ou, caso tenha mesmo de comprar o bilhete no TBA, escolha o pagamento contactless por cartão de débito ou MBway.
• Coloque as máscaras e luvas descartáveis nos caixotes de lixo indicados
• Nas entradas e saídas, siga as recomendações da equipa do TBA
• Não é possível alterar o seu lugar após indicação do mesmo pela Frente de Sala.
A história é uma casa às costas
A história é uma casa às costas – como um cubo[1]. Feito de seis lados, oito vértices, doze arestas, um cruzamento de tantos planos num recorte. Uma mesa de bar de quatro lados, três frentes, mais de quarenta olhares; por fora, todos circunscritos por papel branco; no seu exterior, divididos pela caixa negra entre esta cena e o mundo.
Uma localização equivale a uma arquitetura, esta equivale a um tempo, que corresponde, assim, a um pensamento. Todos estes são fundações, são impérios desmoronados, são tempos calados – como as personagens justamente nos recordam: é preciso não dizer para preservar a memória. Contudo, os vários estratos são definidores de um horizonte exemplar do que seremos hoje. Temos neste local uma espiral pelas épocas que acomoda várias camadas, ora visíveis, ora invisíveis, pelo menos, em dois fios interligados. Já proposta no texto, Fiama tece uma tessitura da História: uma viagem pela antiguidade grega, pela contenda shakespeariana, pela poética musical de Wagner, pela desconsolação de Tchekhov, para chegar ao presente do texto. E, desse ponto, prossegue Calle o seu caminho, sem fim, sem destino, com passadas e com intento: Bar da Meia-noite (2000), Três Irmãs (2003), Quarto Escuro (2016), caminho de Santiago, Entre o Céu e a Terra (2021). Sobrepõe-se e confunde-se o que é textual, dramático, as produções teatrais da companhia, episódios ou ruturas de cada indivíduo, concreto e aqui presente.
É assim que são nomeados Cólquida, tanto lugar mítico grego, como local concreto na Geórgia atual, Avon e as suas três pontes, Verona, onde o Bardo nunca esteve. Uma viagem poética que impele a ir a todos os lugares (isto é, épocas e autores) e, intimamente, deseja uma condensação neste bar da meia-noite, algures num dado instante. São seis vidas nesta vida apresentada que esgrimam a impotência, num caleidoscópio teatral à Pirandello.
Diz Calle – que diz Fiama – que existem basicamente duas personagens e todas as outras são repetições refratadas desse par. Amamos, lutamos e dizemos como todos os outros: Romeu e Julieta, Medeia e Jasão, Brunilde e Siegfried, Macha e Kuliguin. Pares românticos que encarnam as despossessões contingentes do humano e cuja voz se espalha nas gargantas dos seis atores e atrizes, baralhando e voltando a dar quem enuncia.
Vaticina-se a morte da personagem já talvez há um século. Contudo, nascem Hamlets todos os dias – alguns transgéneros, outros gordos, até algum o mais possível de inspiração isabelina. Já deixámos de distinguir personagem de pessoa, e isto talvez não seja mais do que uma perceção, mas que seja encartada. Mais do que ser eu aquela persona no palco, identificando-me ao colocar-me em cena, aquela pessoa além não se separa daquela do mundo, na direção dos cubos brancos ou negros.
Poucas distinções veremos e sentiremos entre as personagens das histórias e as personagens do nosso dia-a-dia, com a grande diferença que podemos ser incondicionais com as do palco (ou ecrã), mas teremos de negociar e de nos sujar (imiscuir, conviver, irritar, amar) com as pessoas circunstanciais do café, do supermercado, da família. Podemos chorar com a desgraça da protagonista em Fleabag[2] mas não o iremos fazer com a viuvez do merceeiro quando calha a inteirarmo-nos de tal infortúnio; afastamo-nos.
Estas personagens, ou o mesmo será dizer, Laura, Inês, Mónica, Luís, José, Guilherme, mexem-se e remexem-se à nossa frente, numa instável coreografia dos corpos. Num arco dramático, que aqui será sempre discursivo, recriam e reconstroem a nossa perceção das relações humanas e a complexidade comportamental presente nos indizíveis; essas coisas na nossa vida de que não falamos: mostram o que não queremos sentir e, ao mesmo tempo, validam o que nos comove. São personagens que são intérpretes, que se cortam, que bebem e fumam. Não existe o fora de texto, como pretendia Derrida.
Inevitavelmente, Mónica Calle retoma a atração pelo texto e pelo drama, escolhendo, voltando ao teatro de Fiama Hasse Pais Brandão, maturado, eloquente, quase despido de didascálias, em que a ação é toda ela feita de palavra. Simbolista, metateatral e intertextual, a obra de Fiama é declinada por Calle num bar, que poderia ser no soterrado Cais do Sodré, onde as seis personagens – já não à procura de um autor, mas simplesmente à procura – se definem e discutem ansiedades, perdas, sonhos, querendo de volta algo perdido: o amor, o amparo, a paz. Como uma crença. Amor mais não promete do que a manifestação de opostos.
Porque o verbo pratica ações, os gestos são o prolongamento da enunciação. Medeia mata sempre outra vez os seus filhos por ciúme, as três irmãs regressam sempre à casa vazia. São, em primeiro lugar, as palavras que dilaceram a carne. E os corpos rodopiam, vagueiam, ziguezagueiam, chegam a tentar sair daquele bar, apenas para voltarem a entrar na arena. Nunca ninguém está a salvo, não há fuga nem proteção. Aquietam-se na corte e tornam a mexer os pés até ao desaire. Os corpos arremessam-se inteiros contra os outros corpos: um Jasão touro, um Romeu nos olhos largos, um Siegfried no pescoço, uma Medeia na mão aberta, uma Valquíria alada, uma Julieta no osso. Engalfinhados que têm de ser separados como os cães. E recomeçam.
Abraçados, rodopiam valsas onde gritar seria como passar por cima de todos os obstáculos, de todos os tempos. Travam a batalha era contra era (passado e presente), amor contra felicidade, dinheiro contra a partida. É uma oscilação entre verdade e falsidade pois, já sabemos, a ficção é apenas culpa da referencialidade, portanto, resultado do lugar para onde se aponta.
Outra face do anterior Noite Fechada, O Lugar do Meio-dia dá-lhe seguimento, ou resposta: não se ironiza uma morte, mas o espectro e o ridículo[3] continuam no seu sentido pleno. Os dois trabalhos do díptico Caminho para a Meia-Noite, como primos vizinhos, fazem dialogar uma face do absurdo com a tentativa de sair deste.
Em Noite Fechada (NF), as linhas eram retas, por onde as atrizes caminhavam e, na segunda peça, o espaço é elíptico e enroscado. Em O Lugar do Meio-Dia (LMD) cada performer tem as vozes de todas as personagens e, no espetáculo anterior, a mesma palavra era partilhada pelas três intérpretes.
O que era unidirecional em NF, em LMD tudo é contracena, texto de Wagner com texto de Eurípides, Fiama com Shakespeare, idade versus idade, a dança de luz de Daniel Worm materializa nova vida em jogo com quem as personagens bailam, retractos de silhuetas na parede falam com as roupas deixadas na cadeira, o tinir dos copos conversando com a quedas para o balcão. Contracena tradição com dissenso.
Há alguém que nos comanda aqui, além de nós? – Todos os outros.
António Figueiredo Marques
Investigador do ICNOVA. Redator e coeditor da CRATERA/Performance & Cognição. Performer avulso.
[1] Podcast Dito e Feito TBA #27, Francisco Frazão em conversa com Mónica Calle e elenco.
[2] Série britânica escrita e interpretada por Phoebe Waller-Bridge (BBC Three, Amazon Studios 2016-19)
[3] Folha de sala A Imagem, o Espectro e o Ridículo de Noite Fechada, de Mónica Calle, primeira parte deste díptico
“No Apocalipse os demónios arrependidos serão anjos e os anjos culpados serão demónios, ligados, fisicamente, costas com costas”
Fiama Hasse Pais Brandão, Eu vi o Epidauro
O segundo momento do díptico Caminho para a Meia-Noite convoca a memória de Bar da Meia-Noite apresentado no ano de 2000 e o primeiro confronto de Mónica Calle não só com a obra de Fiama Hasse Pais Brandão, mas também com o texto dito teatral. Vinte anos depois, volta a convidar o público a sentar-se ao balcão de um bar, construído agora no palco do Teatro do Bairro Alto, à meia-noite ou ao meio-dia, num momento particular, ou momento nenhum, em que os ponteiros do relógio se encontram, um instante com sombras. Lugar do Meio-Dia é, para Mónica Calle, novamente um momento de chegada ao texto teatral, uma abordagem nova a um mesmo material, agora interpretado por Mónica Garnel, Guilherme Barroso, Laura Garcia, José Miguel Vitorino, Inês Vaz e Luís El Gris, simultaneamente bartenders ao serviço do público.