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07 - 12 Outubro
Mónica Calle

Noite Fechada

Caminho para a Meia-Noite
Teatro
Caminho para a Meia-Noite

07 - 12 Outubro

7 a 12 outubro (exceto segunda)
qui, sex e ter 18h30 e 21h30
sáb e dom 17h e 20h30

Díptico "Caminho para a Meia-Noite"
07 - 12 Outubro
Noite Fechada

14 - 18 Dezembro
O Lugar do Meio-Dia

Teatro
Caminho para a Meia-Noite
Preço 12€
< 25 anos: 5€

Passe Caminho para a Meia-Noite 9€ + 9€

Palco da Sala Principal
Duração 90min

Classificação Etária:

M/16

Direção, interpretação e iluminação Mónica Calle
Texto a partir de Poe e o Corvo de Fiama Hasse Pais Brandão
Coautoria e interpretação Mónica Garnel, Inês Vaz e Mafalda Jara

Assistência de encenação José Miguel Vitorino

Cenografia Nadir Bonaccorso
Direção de produção Sérgio Azevedo
Produção executiva Diogo Neto Machado
Produção Casa Conveniente/Zona Não Vigiada
Coprodução Teatro do Bairro Alto
Residência artística Comédias do Minho
Fotografia Alípio Padilha

Condições de acesso
• Haverá medição de temperatura sem registo à entrada do espaço. É obrigatório o uso de máscara dentro do edifício antes, durante e depois das sessões
• Desinfete as mãos e adote as medidas de etiqueta respiratória
• Mantenha a distância de segurança e evite o aglomerar de pessoas
• Traga o seu bilhete de casa ou, caso tenha mesmo de comprar o bilhete no TBA, escolha o pagamento contactless por cartão de débito ou MBway.
• Coloque as máscaras e luvas descartáveis nos caixotes de lixo indicados
• Nas entradas e saídas, siga as recomendações da equipa do TBA
• Não é possível alterar o seu lugar após indicação do mesmo pela Frente de Sala.

A Imagem, o Espetro e o Ridículo

 

O teatro pertencerá ao campo da imagem, seja na aceção de ver e dar a ver (como o velho theatron renovadamente propõe até hoje), seja enquanto figura estilística que tem lugar nos fluxos de imaginação, recurso que vem, paradoxalmente, da palavra. Porque essa imagem, na proporção em que se desfaz, é um assombro, o teatro (o palco, o incorporar, o efémero) vive através da luz espectral, das várias possibilidades de morte. Incerto, em limbo, morto-vivo, grotesco, um esgar contém a margem de erro entre a careta da morte e a do riso ridículo.

Eis, assim, em Noite Fechada / Caminho para a Meia-Noite, a caixa, Fiama/Poe e a imprudência.

 

IMAGEM

é para me libertares dessa imagem

A imagem surge do caos subjugando-o à ordem pictórica: do borrão à linha, ao ângulo, ao ponto. E assim não é a criação artística? É deste modo que se caracteriza o percurso (pela pólis, até Santiago de Compostela, pela praia[1]) até à sua forma de imagem cénica.

A influência da imagem é de tal modo incontornável que parece dominar a sociedade contemporânea, e a sua problematização A imagem enforma o nosso modo de ver o mundo como, simultaneamente, é o instantâneo durável no tempo através do qual nos escrevemos nele. Tiramos insaciáveis fotografias como quem quer fazer sentido de si mesmo/a. Dada a importância capital da imagem (ou seja, o ato fabricado a partir do ver), será ela o correlato do pensamento?[2] O que falamos e pensamos é a partir do visto.

Com efeito, imagem é referencial, é emoção e é um produto. Pelo que: denota, contamina, e se vende. Desse modo, tem um valor de ícone. Representa, evoca, substitui. Proibida por messias, rechaçada pelo verdadeiro aurático (Benjamin, Phelan), a imagem contém em si o germe da falsidade, da duplicação, da ambivalência. Uma saturação da imagem que porá em evidência uma eventual rarefação do simbólico.

Trago para esta reflexão a noção de imagem porque, no fundo, vem remeter-nos para um regresso ao lugar do texto no trabalho de Mónica Calle. Não se subsumindo um sistema a outro, imagem e escrita, pictórico e literário, serão, em vez de dicotómicos, o limiar um do outro, numa relação do inaparecido[3]. É por isso que as citações aqui em epígrafe (abaixo de cada termo) são às vezes ditas, às vezes invisíveis na cena.

Começa a cena: como um convidado, à sua própria mercê, o indivíduo carregado atravessa um espaço desconhecido; lugar que é um poliedro, um local de luz e espanto que, misterioso, nos recebe à chegada. Conseguirá desembaraçar-se dessa imagem?

 

ESPETRO

preste atenção às sensações

A torrente cacofónica de palavras não tem outra missão que não adiar o inevitável. Breve, tudo será, mais do que morto, fantasmático. Jogo de teatro dentro do teatro – e que parece desenterrar Genet, As Três Irmãs[4], Bar da Meia-Noite[5], Quarto Escuro[6] –, o regresso do morto dá-se por meio da vivificação ou dissecação de uma imagem, de um som, de uma frase, que serve em pleno a totalizante missão do campo dramático.

O fantasma, que percorre bastante da tradição teatral e não apenas ocidental, ganhou nova vida com os adventos tecnológicos (fotografia, cinema, ou até realidade virtual) e, por alturas do século XIX, popularizou-se graças às séances espíritas. Edgar Allan Poe, místico, de inspiração gótica, faz-se presente no espetáculo ao mesmo tempo que uma dramaturgia da luz instala uma atmosfera de incerteza e, quiçá, nostálgica. As perdas de Poe, a veloz orfandade contemporânea, ou a incapacidade atual de relacionamento com as muitas ausências estão indiretamente aludidas na força cenográfica: seremos espetros confinados numa cela de veludo preto e de metal.

 

Face à crise, à solidão, à penúria, à morte, a assombração é um lugar de orla e de transformação que poderá preencher os modos de cada um/a viver a desolação e o desconcerto frente ao espelho.

Pairam maus presságios por cima das nossas cabeças, socos graves atingem-nos nos intestinos, uma antiga canção de outros tempos embala-nos face ao destino infeliz, cómico-trágico, das personagens. A aparição torna-se catarse e esgar.

RIDÍCULO

que eu deveria soletrar Cant com um K maiúsculo

A gargalhada de boca aberta é de mau gosto.

Apelidado de coragem de palco, voyeurismo exibicionista, masoquismo psicológico – por detrás de quaisquer desses está o horizonte do ridículo. De fazer mal. De errar estrondosamente. De escorregar. A vergonha pública. É nesta minúscula margem de erro que operam as atrizes, Mónica Garnel, Inês Vaz e Calle.

A proposta dramatúrgica passa por explorar o grotesco, o canastrão, o desajeitado. Atropelos e o fora de sítio. E o que é um exercício do cómico? É para fazer rir? Eu rio-me de mim, rio-me do outro, rio-me do desconcerto, do desconsolo? E para onde vai o riso? E pior: se não há riso, se eu não convoco nenhuma forma de riso, o risível sou eu? O mau gosto está também em misturar coisas sérias com coisas parvas. Há coisas que têm de ficar decepadas.

Na sua fulva casa, João César Monteiro tão bem recorda este ridículo. À beira de. Como sobreviver à usura da banalidade dos violinos? A graça só o pode ser sob a forma de loucura e indigência.

Um espírito intrépido acompanha todo esse nonsense onde o inusitado, o improvável e atoleimado dão forma ao patusco das circunstâncias: um caniche, um buraco na parede, um relógio e muitos desmandos.

Tal como o ridículo está para o audaz, o desmérito do cómico, competência menor, está para a ligeireza de pensamento. A bitola é a mais baixa: do academismo vazio, do multilinguismo bacoco, do intelectualismo pedante, da bestice noticiosa.

Gargalhada de boca aberta é de mau tom. Língua e dentes à mostra, não. Língua só linguística, eloquente, erudita; não o músculo. Dentes só com branqueamento, ajustados, funcionais; não arreganhar os dentes.

O ridículo é uma forma de ficar aquém, de não corresponder, ser inconforme – e até de protesto. O que esperam de mim enquanto artista?

 

 

António Figueiredo Marques

Investigador do ICNOVA. Redator e coeditor da CRATERA/Performance & Cognição. Performer avulso.

 

 

 

[1] Entre o Céu e a Terra, enc. Mónica Calle, Casa Conveniente / Zona Não Vigiada, 2021, BoCA Bienal de Artes Contemporâneas, 2021.

[2] Pombo, Olga & Guerreiro, António (org), 2012, Da Civilização da Palavra à Civilização da Imagem, Edições Fim de Século, Lisboa.

[3] Babo, Maria Augusta, 2011, “Da imagem na linguagem”, in: Moisés de Lemos Martins et alii (eds.), Imagem e Pensamento, Grácio Editor/CECS, coleção Comunicação e Sociedade, nº 23, 2011, Coimbra.

[4] Três Irmãs – que Importância é que Isto Tem, enc. Mónica Calle, 2003, Casa Conveniente.

[5] O Bar da Meia-Noite, enc. Mónica Calle, 2000, CCB & Contracosta Produções.

[6] Quarto Escuro, enc. Mónica Calle, 2016, Casa Conveniente para Lux-Frágil e Teatro Ibérico.

 

“No Apocalipse os demónios arrependidos serão anjos e os anjos culpados serão demónios, ligados, fisicamente, costas com costas”
Fiama Hasse Pais Brandão, Eu vi o Epidauro

 

Neste díptico, Mónica Calle regressa ao trabalho sobre o texto, ao teatro da poeta Fiama Hasse Pais Brandão e ao Teatro do Bairro Alto (onde se estreou profissionalmente).
Um regresso que é ao mesmo tempo uma partida: as três atrizes – Mónica Calle, Mónica Garnel e Inês Vaz – fazem uma peregrinação a pé, de 26 dias, desde a Sé de Lisboa até Santiago de Compostela. Um caminho de fé que as levará à construção deste projeto e à reflexão sobre identidade e representação onde a História do Teatro, personagens arquetípicas transmutantes e personagens reais se misturam (e que produziu ainda em setembro uma criação site-specific para a BoCA na Costa da Caparica).

 

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