Anthony Braxton Diamond Curtain Wall Trio
09 Novembro
9 novembro
terça 19h30
Classificação Etária:
M/6Saxofones alto, soprano e sopranino, eletrónica e composição Anthony Braxton
Trompete Susana Santos Silva
Acordeão Adam Matlock
Fotografias Anthony Moers, Aloísio Brito
Condições de acesso
• Haverá medição de temperatura sem registo à entrada do espaço. É obrigatório o uso de máscara dentro do edifício antes, durante e depois das sessões
• Desinfete as mãos e adote as medidas de etiqueta respiratória
• Mantenha a distância de segurança e evite o aglomerar de pessoas
• Traga o seu bilhete de casa ou, caso tenha mesmo de comprar o bilhete no TBA, escolha o pagamento contactless por cartão de débito ou MBway.
• Coloque as máscaras e luvas descartáveis nos caixotes de lixo indicados
• Nas entradas e saídas, siga as recomendações da equipa do TBA
• Não é possível alterar o seu lugar após indicação do mesmo pela Frente de Sala.
Nos últimos três ou quatro anos tenho vindo a alinhar o meu trabalho musical com o modelo ancestral que os arqueólogos e antropólogos usam quando datam certos artefactos que remontam a centenas e milhares de anos.
Quando uso a expressão modelos ancestrais, refiro-me aos modelos mais antigos inclusivos de uma cultura mundial e à ideia de que cada grupo étnico tem contribuído para a humanidade compósita, em oposição ao modelo Ariano com que nos encontramos a lidar nesta época temporal.
Quando era uma pessoa jovem, descobri um interesse pela realidade compósita, não uma realidade compósita étnica, mas sim uma realidade compósita universal. Continuo a ser uma pessoa interessada na realidade compósita e o meu desafio tem sido a luta de evoluir o meu trabalho e de eu próprio evoluir com base em definições que fizeram sentido para mim, em oposição a definições que me foram atribuídas.
Quando falo do modelo ancestral interessa-me especialmente aquilo que o grande império Egípcio criou, de facto, o império Egípcio acabaria por criar as proposições que acabariam por permitir a emergência da civilização ocidental e cultura ocidental. Isto é verdade quer estejamos a falar de Platão, Sócrates, Aristóteles, Galeno ou Pitágoras. Na verdade, foi Alexandre o Grande que acabaria por financiar Aristóteles, que teve a oportunidade de ir para Alexandria e adquirir mil livros das bibliotecas de Alexandria e a partir desse momento, Aristóteles começaria a construir a sua própria escola. E essa escola de informação estava alicerçada no sistema do mistério Egípcio. Isto é importante porque muitas pessoas nesta época sabiam muito pouco sobre a transferência de informação que viria a tornar-se a nova fundação da civilização ocidental.
O que quero também dizer com isto é que Platão, Aristóteles e Galeno, todo esse grupo, estudaram no Egipto, nos primeiros dos mosteiros que juntavam o espiritualismo com a matemática e física, com tudo aquilo que agora conhecemos. A génese da informação fundamental foi de várias formas definida pelos grandes místicos e académicos Egípcios.
Os anos 1950 foram uma altura incrível para estudar música. Foi também uma altura em que, por exemplo, músicos como Charlie Parker, Thelonious Monk e muitos outros estavam a criar um novo modelo existencial. Este era muito diferente do modelo clássico, no sentido que tinha um tempo métrico lógico e estável que era tricêntrica. Existia informação lógica e estável anotada, como por exemplo temas musicais escritos. Mas também havia a emergência do improvisador existencial, e no trabalho de Charlie Parker existiam os hiper-virtuosos, que modelavam novas ideias sobre pensamento e engenharia do som (mas a engenharia só se refere realmente à metodologia, era mais do que isso). Era uma procura da meta-realidade da música. E no final dos anos 1950, músicos como John Coltrane e Cecil Taylor, Bill Dixon e muitos outros chegariam a um ponto em que o termo jazz já não era suficiente para descrever a realidade complexa que estas pessoas encaravam.
Mas também me interessava a música europeia, fosse esta Bach, Mozart ou Beethoven. Para mim, enquanto jovem e no começo, foi-me difícil compreender ou receber a arte ou música ocidental, mas foi a grande obra de Arnold Schoenberg que me abriu a porta. Portanto consegui voltar para Bach ou Monteverdi de certa forma, e também ir para além de Schoenberg para aprender a música de Varése ou Messiaen, levando a Stockhausen ou John Cage. Portanto, a crescer nos anos 1950, eu examinava diferentes trajetórias de evolução estrutural, conceptual, científica e espiritual.
Voltando para a Associação para o Avanço de Músicos Criativos (AACM), perguntava a mim próprio: o que estou a fazer? E a primeira resposta era: eu quero estar envolvido na liberdade e na música jazz livre. Mais tarde descobriria que a liberdade não era o que procurava, mas sim a liberdade de encontrar o que procurava.
Descobri que a liberdade é um conceito interessante, mas que não existe nada que seja realmente livre! Existe aquilo que os Egípcios chamariam de “um anel que não passa”, que determina a nossa identidade. A partir desse ponto eu começava a pensar em termos do círculo – o desconhecido, o retângulo – o conhecido, e o triângulo – as componentes intuitivas. Triângulo como uma forma de olhar para os sonhos, uma forma de olhar para lógicas narrativas e o contar de histórias, como forma de olhar para o misticismo, e seria o mesmo com a casa do círculo, a casa do desconhecido, o espaço de Áries. De repente, de nada para alguma coisa. Mais tarde, olhando para os sistemas de mistério Egípcio, os Egípcios falavam do círculo como o deus Ptá, e depois a partir da polissíntese, o deus Ptá criaria o seu segundo aspeto, ou dela, o de si próprio/a, para o deus Atum, e o deus Atum seria o deus para a definição de tributários e linhagens, e quatro grupos de homens-deuses, e quatro grupos de mulheres-deusas, que juntamente com Atum materializavam o número nove. A partir de Atum haveria uma outra transmutação para a casa do triângulo, e o misticismo tomaria o seu lugar, o misticismo enquanto autorrealização.
Voltando para o círculo, este seria a improvisação, o momento em tempo real, a linguagem da música. Partindo daqui para a casa do retângulo, algo que começa, ou que não começou, mas nunca acaba. E então, para a casa do círculo, que não começou nem acabou, mas que sempre existiu, eu olhava para essa ideia e pensava num som longo, um som que, no meu sistema, começa, mas nunca acaba. Mais tarde vim a compreender que corresponde à ideia de algo que existe, que sempre existiu, é uma coisa e nada ao mesmo tempo.
Nesta altura, partindo agora para o retângulo, reconhecemos algo que não reconhecemos antes, porque na casa do círculo sempre existiu. Para mim, tornou-se uma questão de identidade, identidade estrutural, memória, arquiteturas, orquestração, e a criação de modelos.
A ideia do tradicionalismo seria uma ideia de informação fundamental que existiu no passado. Tentei sempre manter uma ligação com o passado, de aprender com os primeiros mestres.
O que tentei fazer foi estudar os grandes mestres africanos, europeus, asiáticos, índios e hispânicos. Também devo dizer isto, vejo-me como um estudante profissional de música, o que significa que posso continuar a aprender. O modelo que tentei construir não é um modelo que começa aqui e acaba ali. A ideia de um modelo tricêntrico é um sistema de ser e não um sistema de se chegar.
Também devo dizer isto – se todos fossemos inovadores não seria possível ter cultura, porque um inovador passa a vida a mudar as coisas.
O estilismo ajuda a unificar o passado com o presente e dá uma oportunidade para que exista cultura onde jovens homens e mulheres podem aprender sobre como as mecânicas funcionaram, como as componentes de meta-realidade do estilismo podem ser entendidos. E depois, finalmente, o inovador pega na tradição, pega no estilismo e procura algo que não existia nessa trajetória.
A ideia do re-estruturalismo é que a tradição deve ter um futuro e que a ideia do futuro deve introduzir novas variáveis, novas metodologias, novos pensamentos sobre as componentes da meta-realidade, e a ideia do cosmos.
Essa seria a diferença entre tradicionalismo, estilismo, e o movimento para a diversidade estilística, e do re-estruturalismo como forma de ter novos problemas, novos desafios, novas premissas teóricas, de forma a manter a música viva.
(…) o re-estruturalismo diz que tem de se manter radiante ou não se evolui, portanto o que tenho tentado fazer com a minha música é evoluir a música de forma a que eu fosse confrontado com diferentes desafios, diferentes modelos que se encontrariam na casa do círculo, diferentes tipos de improvisação. Na casa do retângulo, diferentes estruturas na casa do triângulo, diferentes integrações entre o estático, o mutável e modelos de afinidade ou modelos de meta-realidade.
Comecei a olhar cada vez mais para a cor como componente do som, e comecei a integrar a cor como parte de uma lógica musical. No começo, tentava criar formulações baseadas naquilo que eu chamava códigos ou ocultismo. Ao fazer isto, começava a dar nomes às composições. Criava três nomes diferentes para uma composição – um seria o número do opus, um seria a assinatura do oculto representado por números e letras, e a terceira categoria seria cor e o desenho de uma forma.
Isto veio a tornar-se parte da unidade de pensamento central no meu sistema. Cada componente tem um estado de ser, cada componente teria um estado de ser metafísico, e cada componente teria afinidade a uma cor e forma.
A escala é muito importante, escala no sentido de música a solo, escala no sentido de conjuntos em grupo, escala no sentido de projetos muito grandes, (sendo que o meu sistema se baseia no número 3 mais 1 em grandes projetos), que provavelmente nunca serão concretizados, mas queria ter a categoria na minha música também.
Por exemplo, mencionei o desconhecido, conhecido e a intuição. Sempre senti que queria ter uma parte da minha música desconhecida, até para mim. Eu queria que o desconhecido fosse tão importante como o conhecido. E, portanto, no começo, eu pensava num pensamento e reduzia esse pensamento a letras e números, mas não os escrevia, mas usava um pensamento ou um não-pensamento para gerar algo. Também misturava uma letra ou número simbólico, uma letra ou forma, e quando terminava, essa forma faria parte da entidade. Mas para me proteger, eu não sabia o que era depois de a gerar, sendo o intuito, “mais tarde irá gerar aquilo que é!”
Da mesma forma, a transfiguração do deus Ptá iria gerar Atum, que seria a génese da ideia de deus e deusa.
Eu começaria a ter uma relação com o desconhecido que me pareceu muito importante, porque eu não queria ter um resultado de 1+1=2. A metodologia está na casa do retângulo. Eu queria construir uma série de sinais e símbolos que inicialmente seriam baseados no pensamento e na ação.
Estou à procura de música que é como a vida, onde sons periféricos se moverão por dentro das multidões. Mais tarde, quero ir lá para fora e ter 20 ou 30 músicos em cada lado da rua e implantar 20 músicos dentro dessa multidão, e deixá-los simplesmente andar por essa rua e fundir num teatro compósito, ou espaço-área, para criarem música que faz parte das suas intencionalidades, parte da realidade, no momento em tempo real, a mistura que iria também ajudar e melhor entender a magia e a atração e reação. É isto que estou a tentar fazer com o desconhecido, torná-lo parte do modelo, definir componentes, mas ao mesmo tempo, não os definir. Ter uma fusão entre algo e nada, e um resultado que não é algo e não é nada.
Anthony Braxton é dos mais profícuos compositores americanos e um dos principais responsáveis pelo encontro das tradições transafricanas e europeias assentes no jazz e na música contemporânea. Ao longo de um extenso percurso, expresso em diferentes contextos, do solo à ópera, tem aliado métodos de composição e notação que demonstram uma síntese pessoal do legado dos compositores Schoenberg, Stockhausen e Xenakis com a exploração de técnica instrumental, tímbrica e métrica à luz das práticas jazzísticas de Parker, Coltrane e Dolphy. Em Diamond Curtain Wall, projeto que se tem manifestado em diferentes formações, por onde passaram nomes como Taylor Ho Bynum, Ingrid Laubrock ou Mary Halvorson, Braxton faz uso da eletrónica através do software SuperCollider de interação em tempo real, como sistema de composição onde aplica um vocabulário modular, materializando uma prática a que chama de transidiomática e multi-hierárquica, com implicações filosóficas e cosmológicas. Braxton estreia uma nova formação dos Diamond Curtain Wall, por ocasião de uma digressão europeia, com Susana Santos Silva, trompetista e compositora portuguesa, e Adam Matlock, acordeonista norte-americano.